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Gostaria de agradecer a todos que compareceram ao Cine-Debate, e ofertar aquilo que me marcou da trama -e da discussão- a partir de pequenas pontuações.
Espero revê-los no próximo.
1) Albert não é gago desde sempre. Isso é o que chamamos de memória encobridora. Na verdade, ele é gago desde que se lembra. A gagueira é protagonista do filme. Trata-se de um sintoma que fala aquilo sobre o qual ele não pode falar. A gagueira é expressão de seu compromisso sintomático, aquilo que tampona seu real desejo. Nota: é importante destacar os mais diversos deslocamentos e manobras para, no fundo, ocultar nosso desejo.
2) Contexto lógico-biográfico da formação sintomática: Albert não nasce “livre”. Nasce príncipe, e portanto, com uma série de compromissos morais, sociais e familiares a zelar. A gagueira –sintoma- surge diante da dificuldade em falar por si, de dar-se voz, de não se tornar prisioneiro deste lugar ao qual ele pertence desde antes do nascimento.
Ponto de encontro entre o drama de Albert e de todos nós: quanto estamos dispostos a nos darmos voz? E a sair do lugar que a nós pertencia, dentro da neurose (ou psicose) familiar, desde antes do nosso nascimento? Em geral, gastamos mais tempo (muito mais, por sinal) desistindo do que indo atrás de nossos desejos.
3) O Lugar do Outro em nós. As duas famosas frases de Lacan no seminário XVI “Eu sou quem o EU é” e “O Eu é um Outro” se insere nesse ponto. Não resta dúvida de que nós todos somos fruto de um desejo daqueles que nos trouxeram à vida, pouco importando a natureza deste desejo. Ninguém é uma tábula rasa desde nunca. Assim, posto que o que nos resta é assumir este lugar, a oferta que uma análise honesta poderá dispor é: como você vai assumir o seu posto? Correspondendo a ele ( ocupar pela via do sintoma) ou criando autonomamente um outro (pela via do desejo, única possibilidade de saída do sintoma)?
4) Nota psicanalítica sobre o desejo. Em psicanálise, desejo não é expressão sincera daquilo que queremos ou do que achamos legal, mas sim daquilo que nos move. Problema: como é possível agir conforme o desejo estando no campo da neurose? Na neurose, adiamos, damos volta para ganhar tempo, tentamos fugir a todo custo da via real do desejo. Isso porque, o modo neurótico de ser detesta, acima de tudo, a ambivalência e a errância que a via do desejo nos proporciona. O desejo nunca estará satisfeito e sempre irá querer mais e mais ainda.
No filme, Albert tem o objeto de seu desejo inviabilizado por conta de sua gagueira, pois um Rei precisa de boa oratória. Contudo, a coisa tende a funcionar estruturalmente do mesmo jeito: aquilo que mais tememos costuma ter bastante do que desejamos. Albert demonstra as duas facetas do sintoma psicanalítico desde o início: o gozo e o sofrimento. Ele sofria com a gagueira que, por outro lado, mantinha-o interditado daquilo que mais desejava (e temia): o posto do Rei. O gozo de alienação não pareceu satisfazer os anseios de Albert, daí sua coragem.
5) A gagueira tem origem emocional ou orgânica? Pelo que se nota, não há nenhuma certeza contundente que aponte para a resposta desta pergunta. Contudo, Lacan demonstrou a exaustão que o sujeito se constitui na linguagem. Pela boca de Albert, circulavam, de maneira não reconhecida, os elementos significantes que constituíram tanto seu sintoma, quanto seu desejo. Pela fala, o Ser de Albert se dizia, se enunciava àquele que pudesse, nela, reconhece-lo. Seria equivocado, como a própria trajetória de Albert pelos médicos nos mostra, circunscrever ao aparelho fonatório ou, caso o problema ocorresse nos dias se hoje, à insuficiência funcional de áreas ou circuitos neuronais, o problema de fala de nosso herói.
6) Havia um elemento significante na gagueira de Albert. Seus tropeços não eram generalizados, se acentuando diante do significantes Rei e Pai. Nos momentos de irritação, especialmente com a figura do terapeuta (de quem falaremos a seguir), pode se notar uma fluência impecável. Ou melhor: Albert não gaguejava ao falar consigo mesmo. Lionel Logue, cuja percepção da problemática mostrava-se impecável, logo notou isso.
7) Sobre a relação terapêutica desenvolvida entre Albert e Lionel, cabe alguns apontamentos. Elisabeth, esposa do Duque, procura pelos serviços de Lionel Logue como última cartada. Cansada do fracasso precoce dos tratamentos ditos mais convencionais, ela procura por um método menos ortodoxo. Lionel logo nos mostra do que se trata o seu método: ele queria, ao contrário da vontade de Elisabeth e, a princípio, de Albert, penetrar na intimidade do duque.
8) Um elemento fundamental para o sucesso de uma terapia, aquilo que Lacan chama Sujeito do Suposto Saber, surge na esperança que Albert depositava em Lionel para curá-lo. O humor temperamental e irritadiço de Albert –e a consequente dicção impecável ouvida em seus ataques de fúria- dava pistas para Lionel sobre o manejo do caso. Albert, sobretudo, detestava quando a voz de Lionel representava exatamente a sonorização daquilo sobre o que ele não se permitia ouvir nele mesmo. A resposta raivosa era a prova da autenticidade da aposta do terapeuta. Ele havia captado um mal estar intocado no âmago de Albert, e apostou que aquilo era a chave de seu transtorno.
Uma curiosidade fundamental sobre o terapeuta. Lionel só pôde ouvir o mal estar oculto de Albert porque antes, certamente, havia reconhecido o próprio mal estar, e a relação deste com os possíveis transtornos que lhe assaltaram ao longo da vida. Não reconhecemos no outro aquilo que antes não reconhecemos em nós mesmos.
9) A Psicanálise é uma teoria do Desejo, ela tenta compreender o desejo das pessoas. A ética psicanalítica está fundada no ideal de realização do desejo profundo do sujeito. Foi da escuta da histeria que Freud criou a Psicanálise. Ao se propor a entender o que estava sendo dito no discurso daquelas mulheres que tinham um deslocamento tão grande em relação a seu sofrimento, que ele encontrou a inspiração para toda a teorização posterior. Como se costuma dizer, a Psicanálise é reinventada em cada análise, e sempre a partir da interrogação, movida pela curiosidade de saber, sobre o que esta sendo dito pelos mais diferentes sintomas que nos aparece no consultório.