sábado, 17 de dezembro de 2011

Na trilha de Žižek


No mercado atual, encontramos uma série de produtos desprovidos de sua propriedade maligna:
- creme de leite, sem gordura
-cerveja, sem álcool
- café, descafeinado
-sexo virtual, sexo sem sexo

Encontramos aqui, precisamente com a inversão de Lacan do famoso modelo de Dostoievsky: “Se Deus não existe, tudo está permitido” para “Se Deus não existe, tudo está proibido” Como? Por um lado, temos a autorização de ter uma vida cheia de felicidade e prazeres, mas, precisamente, no imperativo para ser feliz, há o "deverás evitar os excessos perigosos”.

Logo, ao final, tudo está proibido: não poderá comer gordura, tomar café cafeinado, cerveja com álcool. Nada é permitido fazer, precisamente sob o mandato do Gozar.

Então, o hedonismo contemporâneo combina prazer com constrangimento. Não é nada além da velha noção da medida correta entre prazer e coação. Gostas de sexo? Ok, mas não em demasiado, ache a medida certa, bla, bla bla; Não! É algo muito mais paradóxico, é uma espécie de imediata coincidência de dois extremos, como, se a ação e a reação coincidissem, o mesmo que causa dano já deve ser o contra-agente, o remédio. Um exemplo disso é o chocolate-laxante que traz em sua propaganda “tens prisão de ventre? Como mais deste chocolate!". A coisa já é seu contra-agente, e a prova negativa da calamidade disto, é o fato de que, hoje, o verdadeiro consumo não restringido em todas as suas principais formas: drogas, sexo livre, cigarro emergem como o principal perigo.

Como explicar o paradoxo no qual a ausência de Lei ("Deus está morto, tudo é permitido") universaliza a proibição?

Existe uma única explicação possível: o Gozo, mesmo que experenciado como transgressão é, em si mesmo, algo imposto. Quando gozamos, nunca o fazemos espontaneamente, seguimos um certo mandato. O nome psicanalítico para este mandato obsceno “Goza!” é SUPEREU.

A noção tradicional de psicanálise é que, devido a alguns obstáculos internalizados - a identidade excessiva com a proibição paterna, ou às proibições sociais (moral instituída)- não se poderia gozar livremente, o prazer não seria acessível, com excessão às formas patológicas, que produziriam a culpa, objeto de sofrimento.

Então, a ideia era que a psicanalise serviria de instrumento para a suspensão das inibições: vencer as proibições internalizadas para que se fizesse possível aceder ao gozo. O problema hoje, é que o mandato da ideologia dominante é de gozar de diferentes modos: poderá fazer sexo e gozá-lo, consumir mercadorias e gozá-las, gozar espiritualmente, realizando a ti mesmo qualquer coisa. O problema não é libertar-se das inibições e ser capaz de gozar espontaneamente, o problema é: como se libertar do imperativo ao gozo?

*Texto inspirado no documentário: "Žižek"

sábado, 10 de dezembro de 2011

Da neurose

Os pais registram os feitos dos filhos

Os filhos são feitos de registros paternos

Se os feitos dos filhos não registram o Pai

O registro são filhos feito pais.

Ciência, religião e sociedade


É fácil se deparar com o pensamento religioso, funcionando em seu clímax, em pleno cotidiano. Falas como “não se preocupe, tudo vai dar certo...” quando alguém lhe dirige a palavra, transmitindo um certo desespero, velado e tímido.

O pensamento religioso contemporâneo está inundado deste “otimismo destemperado e pragmático”, algo que, embora não óbvio, tem relação com medidas repressivas e disciplinares drásticas, como a internação compulsória e involuntária para viciados em crack. Ambas são filhas legítimas do racionalismo tecnicista.

O papel da ciência criticamente orientada –ou seja, aquela ciência que se pensa- é a busca por relações não óbvias. Um exemplo? Será que o aumento de pessoas em situação de rua tem relação com o aumento dos moradores do ciberespaço?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sociedade e Indivíduo



Será que a irresolutividade que atravessa a percepção daqueles que não conseguem enxergar soluções possíveis para os problemas sociais, não passa pela mesma impossibilidade resolutiva com a qual imperceptivelmente (ou não) se deparam frente às suas próprias agruras? Diante de suas próprias questões íntimas?

Como se a incapacidade de encontrar soluções possíveis para problemas sociais fosse uma projeção da incapacidade própria de se conceder satisfação? E, por efeito, se eu não consigo me satisfazer, tampouco encontrar inspirações para me mexer, a sociedade também não o poderia. Assim, cria-se o curto circuito da impossibilidade, sociedade e indivíduo seriam espelhos, um do outro.

Algo como "a sociedade saciada pelo convencimento da impossibilidade, que, por efeito, deriva-se atualizando institucionalmente um cálculo de gozo neurótico"

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O amor fofo


Duas observações não conectadas entre si:

1) Alguém mais percebeu a exata semelhança entre o estado de humor que as pessoas tendem a desenvolver nesta época de final de ano, e o estado encenado pelos personagens das telenovelas brasileiras nos capítulos finais?

2) Desconfio dos supostos gestos tipicamente amorosos - ou "típicos de quem está apaixonado" ou mesmo "de quem está amando"- por uma razão muito simples: não existe duas pessoas que amam do mesmo jeito. Me soa mal aquele que se esforça por oferecer mostras de amor "fofas". Não gosto do "amor fofo".

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A droga pede controle*

É bastante urgente a questão das drogas no panorama político atual. Essa é apenas a constatação de um fato, mas o que há para se dizer, ou ainda para se pensar sobre essa questão?

Em primeiro, gostaria de afirmar a importância de tratar o assunto como questão, pois não há possibilidade – a meu ver – de uma conclusão sobre esse assunto no atual contexto. Prova disso é a atual investida do projeto de lei proposto por Demóstenes Torres que dispõe sobre a problemática apontando como uma possível solução a tão equivocada Internação Compulsória do usuário de drogas ilícitas. Ato tão polêmico e atual com relação ao qual, desde já me coloco em posição radicalmente contrária, mas sobre o qual gostaria muito de propor alguma reflexão.

Se aprovada, a lei garante ao Estado o direito de privar um cidadão usuário de drogas ilícitas de sua liberdade, colocando-o em uma “instituição de tratamento”. A justificativa para tal proposta é baseada na situação do crack dentro do contexto social. O uso do crack na atual conjuntura é tratado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (não apenas por ela) como uma epidemia. E o que dizer disso? Pois bem, em primeiro que, pessoalmente, vejo não apenas uma cadeia de equívocos em série nesse interim, mas, principalmente, que me chama atenção a impulsividade e agressividade das iniciativas tomadas, das discussões, da emersão dos discursos sobre o tema, por toda parte.

Não pretendo com esse texto expor nem a metade do que penso sobre o assunto, mas apenas chamar para a discussão alguns fantasmas.

A droga é um fantasma! A droga é um fantasma? Ela assombra a sociedade! Assombra? Bem, não vejo assombro algum nos inúmeros usuários da rede de atendimento em saúde mental (na qual trabalho, ou nas quais conheço), nem em seus familiares, com relação às diversas drogas que consomem. Algum incômodo, talvez. Mas nenhum assombro, nenhum terror, nenhuma ansiedade diante das substâncias que (essas sim) são declaradamente utilizadas para alterar seus comportamentos, seus estados de humor, sua personalidade. E o que é que difere a Fluoxetina, o Haloperidol, o Clonazepam, do crack? Disse apenas crack para não citar os diversos outros nomes tão mais conhecidos do que os das drogas psiquiátricas às quais acabo de me referir.
A resposta me parece simples: controle! Essa é a diferença! Claro que sim, mas de que controle falamos? Vários, na minha opinião, mas apenas um em suma: o controle na mão de outro (ou fora da minha, como preferir). Já ouvi isso, não inventei. Ouvi: “essa coisa (o crack) deixa a pessoa louca”; “Acaba com a vida da pessoa”; “Quem usa essas coisas não tem Deus no coração”; “O cara começa a se drogar e vira um vagabundo”. Ouço isso cotidianamente, entre outras coisas. O discurso social normalmente trata as drogas ilícitas sob as rédeas do terror.

Há diferença, claro que há! Há drogas que são para tratamento, outras que são para pessoas que querem outra coisa delas! Será? O que quer alguém que toma cachaça na rua? É mesmo tão diferente do que quer o usuário de Clonazepam? Há algo aí nas substâncias que alteram a consciência. Claro, não vou discutir o uso de analgésicos (mesmo que talvez já esteja em discussão a analgesia).

Proponho apenas algumas frases “soltas” antes de encerrar: ‘Desde que sob autorização do Estado, posso me drogar sem culpa’; ‘Se o médico receitou, é para o meu bem’; ‘Quem acabou com a vida daquela criança foi o crack’; ‘Quem usa, é igual a quem trafica’ (o que pensar da relação médico-paciente...?); ‘Esse povo fica por aí drogado por que não tem o que fazer’ (será que basta querer fazer alguma coisa, como trabalhar?).

Enfim, isso é só uma pitada de caos. Mas meu objetivo com isso é apenas movimentar, arejar o pensamento, retirá-lo do curto-circuito “droga representa o mal” já que isso impede de refletir. Se o texto serviu para mostrar o quanto nós (eu também, claro) não temos condições mínimas para discutir de forma responsável as políticas sobre drogas, já serviu para muito. Afinal, independente de querer dar respostas, o que pode ser mais irresponsável do que decidir democraticamente pelo direito estatal de me privar da liberdade, por qualquer motivo que seja?

* Texto elaborado por Milton Nuevo, psicólogo, meu amigo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

acting out


Termo usado em psicanálise para designar as ações que apresentam, a maior parte das vezes, um caráter impulsivo, rompendo relativamente com os sistemas de motivação habituais do indivíduo, relativamente isolável no decurso das suas atividades, e que toma muitas vezes uma forma auto ou hetero-agressiva. No aparecimento do acting out vê o psicanalista a marca da emergência do recalcado. Qunado aparece no decorrer de uma análise (quer seja na sessão ou fora dela), o acting out tem de ser compreendido na sua conexão com a transferência, e frequentemente como uma tentativa para a desconhecer radicalmente.

Vocabulário da Psicanálise
J. Laplanche/ J.-B. Pontalis
Ed. Martins Fontes

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sobre o Discurso de um Rei.


Frente a um desejo, sem voz, eis o motivo para a procura de um terapeuta da fala: quando o sofrimento, intolerável, sinaliza a necessidade de alguém que encoraje mais. E do terapeuta, a aposta: “eu confio em quem quer se curar”, e do paciente, a dúvida: “ eu não sei a hora de falar as coisas”. O tempo corre tão sem (ser) sentido que a hora do instante de perceber é perdido. Pressa pelo futuro, passado prendido, desejos sem causas, causas sem pedido. E durante o processo, a espera silenciosa de quem escuta: “ quando resolver falar (compromisso), eu começo o tratamento” , e o começo de um entendimento impõe alguma percepção de que só assim: “como posso ouvir o que vou dizer? ”. É preciso saber o que quer, pra fazer acontecer. E dizia o pai-rei “é fácil quando se sabe fazer”. E é mesmo. Quando se aprende a bancar o que quer, ganha o trono, faz-se acontecer, torna-se rei das próprias vontades, das possibilidades de estar em paz, sabendo o que está fazendo. Quem é que te tira de lá quando seguro de si, não há outro lugar tão certeiro? E diante de um trauma cravado, marcado na moeda de um xelim, o ensinamento de que “é só passá-lo adiante”, para poder dar o grito final, sem tropeços: “ eu tenho voz”.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Discurso do Rei


Gostaria de agradecer a todos que compareceram ao Cine-Debate, e ofertar aquilo que me marcou da trama -e da discussão- a partir de pequenas pontuações.
Espero revê-los no próximo.

1) Albert não é gago desde sempre. Isso é o que chamamos de memória encobridora. Na verdade, ele é gago desde que se lembra. A gagueira é protagonista do filme. Trata-se de um sintoma que fala aquilo sobre o qual ele não pode falar. A gagueira é expressão de seu compromisso sintomático, aquilo que tampona seu real desejo. Nota: é importante destacar os mais diversos deslocamentos e manobras para, no fundo, ocultar nosso desejo.

2) Contexto lógico-biográfico da formação sintomática: Albert não nasce “livre”. Nasce príncipe, e portanto, com uma série de compromissos morais, sociais e familiares a zelar. A gagueira –sintoma- surge diante da dificuldade em falar por si, de dar-se voz, de não se tornar prisioneiro deste lugar ao qual ele pertence desde antes do nascimento.

Ponto de encontro entre o drama de Albert e de todos nós: quanto estamos dispostos a nos darmos voz? E a sair do lugar que a nós pertencia, dentro da neurose (ou psicose) familiar, desde antes do nosso nascimento? Em geral, gastamos mais tempo (muito mais, por sinal) desistindo do que indo atrás de nossos desejos.
3) O Lugar do Outro em nós. As duas famosas frases de Lacan no seminário XVI “Eu sou quem o EU é” e “O Eu é um Outro” se insere nesse ponto. Não resta dúvida de que nós todos somos fruto de um desejo daqueles que nos trouxeram à vida, pouco importando a natureza deste desejo. Ninguém é uma tábula rasa desde nunca. Assim, posto que o que nos resta é assumir este lugar, a oferta que uma análise honesta poderá dispor é: como você vai assumir o seu posto? Correspondendo a ele ( ocupar pela via do sintoma) ou criando autonomamente um outro (pela via do desejo, única possibilidade de saída do sintoma)?

4) Nota psicanalítica sobre o desejo. Em psicanálise, desejo não é expressão sincera daquilo que queremos ou do que achamos legal, mas sim daquilo que nos move. Problema: como é possível agir conforme o desejo estando no campo da neurose? Na neurose, adiamos, damos volta para ganhar tempo, tentamos fugir a todo custo da via real do desejo. Isso porque, o modo neurótico de ser detesta, acima de tudo, a ambivalência e a errância que a via do desejo nos proporciona. O desejo nunca estará satisfeito e sempre irá querer mais e mais ainda.
No filme, Albert tem o objeto de seu desejo inviabilizado por conta de sua gagueira, pois um Rei precisa de boa oratória. Contudo, a coisa tende a funcionar estruturalmente do mesmo jeito: aquilo que mais tememos costuma ter bastante do que desejamos. Albert demonstra as duas facetas do sintoma psicanalítico desde o início: o gozo e o sofrimento. Ele sofria com a gagueira que, por outro lado, mantinha-o interditado daquilo que mais desejava (e temia): o posto do Rei. O gozo de alienação não pareceu satisfazer os anseios de Albert, daí sua coragem.

5) A gagueira tem origem emocional ou orgânica? Pelo que se nota, não há nenhuma certeza contundente que aponte para a resposta desta pergunta. Contudo, Lacan demonstrou a exaustão que o sujeito se constitui na linguagem. Pela boca de Albert, circulavam, de maneira não reconhecida, os elementos significantes que constituíram tanto seu sintoma, quanto seu desejo. Pela fala, o Ser de Albert se dizia, se enunciava àquele que pudesse, nela, reconhece-lo. Seria equivocado, como a própria trajetória de Albert pelos médicos nos mostra, circunscrever ao aparelho fonatório ou, caso o problema ocorresse nos dias se hoje, à insuficiência funcional de áreas ou circuitos neuronais, o problema de fala de nosso herói.

6) Havia um elemento significante na gagueira de Albert. Seus tropeços não eram generalizados, se acentuando diante do significantes Rei e Pai. Nos momentos de irritação, especialmente com a figura do terapeuta (de quem falaremos a seguir), pode se notar uma fluência impecável. Ou melhor: Albert não gaguejava ao falar consigo mesmo. Lionel Logue, cuja percepção da problemática mostrava-se impecável, logo notou isso.

7) Sobre a relação terapêutica desenvolvida entre Albert e Lionel, cabe alguns apontamentos. Elisabeth, esposa do Duque, procura pelos serviços de Lionel Logue como última cartada. Cansada do fracasso precoce dos tratamentos ditos mais convencionais, ela procura por um método menos ortodoxo. Lionel logo nos mostra do que se trata o seu método: ele queria, ao contrário da vontade de Elisabeth e, a princípio, de Albert, penetrar na intimidade do duque.

8) Um elemento fundamental para o sucesso de uma terapia, aquilo que Lacan chama Sujeito do Suposto Saber, surge na esperança que Albert depositava em Lionel para curá-lo. O humor temperamental e irritadiço de Albert –e a consequente dicção impecável ouvida em seus ataques de fúria- dava pistas para Lionel sobre o manejo do caso. Albert, sobretudo, detestava quando a voz de Lionel representava exatamente a sonorização daquilo sobre o que ele não se permitia ouvir nele mesmo. A resposta raivosa era a prova da autenticidade da aposta do terapeuta. Ele havia captado um mal estar intocado no âmago de Albert, e apostou que aquilo era a chave de seu transtorno.
Uma curiosidade fundamental sobre o terapeuta. Lionel só pôde ouvir o mal estar oculto de Albert porque antes, certamente, havia reconhecido o próprio mal estar, e a relação deste com os possíveis transtornos que lhe assaltaram ao longo da vida. Não reconhecemos no outro aquilo que antes não reconhecemos em nós mesmos.

9) A Psicanálise é uma teoria do Desejo, ela tenta compreender o desejo das pessoas. A ética psicanalítica está fundada no ideal de realização do desejo profundo do sujeito. Foi da escuta da histeria que Freud criou a Psicanálise. Ao se propor a entender o que estava sendo dito no discurso daquelas mulheres que tinham um deslocamento tão grande em relação a seu sofrimento, que ele encontrou a inspiração para toda a teorização posterior. Como se costuma dizer, a Psicanálise é reinventada em cada análise, e sempre a partir da interrogação, movida pela curiosidade de saber, sobre o que esta sendo dito pelos mais diferentes sintomas que nos aparece no consultório.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Nota Psicanalítica 5


As vezes nos surpreendemos com aquilo que falamos para o analista.

A experiência de poder falar sobre qualquer coisa que se passa pela cabeça, sem nos preocuparmos com os sentimentos de quem está nos ouvindo, nos revela, com certa surpresa, bastante de nós mesmos.

domingo, 16 de outubro de 2011

sábado, 15 de outubro de 2011

Nota Psicanalítica 4


Desde os primórdios da Psicanálise, com Freud analisando Bertha Pappenheim, mais conhecida por Anna O., até hoje, a talk cure (cura pela fala) se sustenta como um método surpreendente.

Como é difícil falar. Nos deparamos diariamente no consultório com esse impasse. Toneladas de afetos reprimidos, sentimentos desorganizados e pesados demais para se ordenarem em uma fala. Reclamações pipocam e pedem por soluções mágicas.

O jeito é falar para tentar encontrar aquele fio solto em nossa história que parece não se conectar com nada. De onde vem esses pensamentos, essas ideias, esse mal estar? Fale, fale, fale...

Lembranças encobridoras não devem ser confundidas com memórias reprimidas, que se expressam pela via do sintoma.

Aquilo, que por não ter sido falado, repousa no enigma do sintoma. Aquilo que não foi falado (e portanto, escutado) deve ser falado e escutado para que o Novo surja como uma possibilidade real, não mais como uma miragem imaginária.

domingo, 9 de outubro de 2011

Nota psicanalítica 3



Saber e Conhecimento psicanalítico são duas coisas distintas. O Conhecimento se dá a partir do estudo conceitual da psicanálise, o saber se dá a partir da própria experiência analítica: você no divã sentindo no corpo aquilo sobre o qual Freud, Lacan e companhia disponibilizaram a todos que se interessam.

O psicanalista, fundamentalmente, se forma no divã, testando em si mesmo a própria clínica. Quando os conceitos se confundem com abstrações especulativas, estamos no território da filosofia, não da psicanálise. O psicanalista não é aquele que põe o Inconsciente em dúvida, mas sim aquele que o afirma. Esta certeza só se faz possível, quando se detém um Saber duramente adquirido na análise pessoal, que demonstra ao analista aquilo que ele precisa para não titubear em dúvidas metódicas.

A psicanálise só deixará de ser uma abstração especulativa para aquele que a opera, quando se souber que, ao menos para alguém, ela se mostrou verdadeira: para si mesmo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Nota Psicanalítica 2


O sintoma psicanalítico se difere da compreensão sintomática de qualquer outra ciência psicológica, porque pressupõe a existência ativa do Inconsciente, tal qual Freud exaustivamente se esforçou em definir. Assim, o sintoma, em Psicanálise, é construído onde a repressão e os mecanismos inconscientes são dominantes.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

CINE DEBATE- Cisne Negro

(Me)nina frágil, temeu o mesmo que a assegurou.
Identificação simbólica impedida, imagem do eu exterior ao corpo, branco no preto, preto no branco, e o branco e o preto se misturou.
Esse lugar de gozo do outro (objeto do outro) não se assujeita né Paulo? Enforcou-se em significantes imaginários e desesperou-se no confuso da substituição, na impossibilidade de metaforizar. Estando a margem da provação da lei simbolica, atravessou o palco no mais pleno estado de perfeição,
e nao atravessou a fantasia.
Belissima descrição meu amigo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Cisne Negro e a Psicanálise


Queria agradecer a todos que compareceram ao Cine-Debate sobre “O Cisne Negro”. Vou tecer algumas considerações sobre o que me ficou do filme.

Diria Lacan “ao psicótico falta pai-simbólico”, digo que a Nina também. A protagonista mostra as dificuldades que alguém que “não foi castrado” enfrenta em um mundo como o nosso. Castração em psicanálise significa separação da simbiose originária que toda criança experimenta com sua mãe (ou alguém que exerça a função). O pai-simbólico é aquele que nos introduz a única Lei humana: “você não pode ter tudo o que quer”.

Na constituição da personalidade ( em outras palavras, na formação do Inconsciente) todos nós escolhemos ( sem consciência ) se vamos aceitar ou não essa dura Lei, que nos tira do amparo para nos jogar no desamparo, que é a única condição do Desejo: a falta.

Trata-se de uma impossibilidade, portanto, sexual visto que depois de Freud a criança deixou de ser considerada inocente, pura e assexuada, para se transformar em inocente, pura em suas intenções sexuais. A castração feita pelo pai-simbólico é a condição de alguém existir como Sujeito (em psicanálise: aquele que deseja). Angústia, portanto, é tolerável para quem aceitou (nos primórdios da formação do Inconsciente) a Lei da Castração, mas inaceitável para quem não o fez.

Nina não aceitou, não tem pai-simbólico, não foi castrada e vive em uma simbiose com a mãe sádica que lhe impõe um lugar a ser ocupado: o lugar da garotinha doce da mamãe. Assim, Nina encontra seu equilíbrio em uma posição masoquista (de objeto de prazer do Outro), e assim se protege de angústias intoleráveis de castração.

Porém, em uma sociedade concorrencial em que o lucro é a lógica mor, alguém assim pode ser levado à construir uma trágica e aflitiva loucura que nada tem a ver com ideais românticos da mesma (o louco é o porta voz daquilo que está reprimido na cultura). Não. Na história de Nina, que estava condenada a se colocar como objeto de Gozo de qualquer um a quem devesse satisfação (posição masoquista) é levada a mobilizar tudo aquilo que ela não tinha estrutura para mobilizar: o sexual.

Para alcançar a sua almejada perfeição –masoquista- e conseguir encenar divinamente o cisne negro para fazer o Diretor da Cia. de Balé gozar, ela acabou sucumbindo sua única possibilidade em vida, o cisne branco. Nesse jogo perverso, nossa heroína triunfou na loucura e perdeu a vida.

O cisne branco, portanto, cai denunciando o cerne da trama social: a objetificação do sujeito e a impossibilidade de sustentar uma posição de objeto para o Desejo do Outro, que incessantemente lhe coloca nesse lugar.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Nota Psicanalítica 1


Por que aceitar o convite de visitar seu lado mais cego? Por que sair do território das respostas cotidianas, fáceis, decoradas e rápidas? Por que aceitar o convite de visitar a própria loucura?

Minha resposta tem sido, “porque há coisas em nós que, caso não sejam abordadas, nos levarão unicamente à miséria que nos ronda no mesmo cotidiano que nos convida às respostas fáceis e despreocupadas. Em outras palavras, porque o barco não precisa afundar sempre no mesmo ponto. Porque não me contento em aceitar que a miséria neurótica é o destino final da minha trajetória.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Som de Outubro


De qual palavra uso
Pro silêncio que você me força a bancar,
quando não está,
A ousar, quando chega outubro,
A fingir, quando não te quero,
A sentir, quando louca, espero..
E sobre esse desejo amargo,
Da doce ilusão
De te manter ideal
Pra poder brincar
De sentir falta de você,
meu par perfeito
dos meus sonhos,
Porque aqui, sou impar nessa composição
Sem som,
sem enredo,
sem palavra.

domingo, 21 de agosto de 2011

Do Desejo

Eu queria ser livre, não ter nem passado
Voar e esquecer que existe um outro lado
Queria ter o tempo todo pra mim
Queria conseguir dizer sempre sim
Queria descobrir que não existe nada
Que tudo não passa de uma linda estrada
E que não hovesse um caminho a seguir
Mas que eu pudesse simplesmente ir
Eu queria ver a dor como uma saída
E sorrir a tudo que me lembrasse a vida
Sentir o gosto de cada ferida
Como a felicidade a ser digerida
Olhar do céu como é a terra
Estar na terra sem olhar pro céu
Saborear os frutos que me caem no colo
E não lamentar os que se despedaçam no solo
Eu queria chorar ao te ouvir cantar
Eu queria cantar ao te ouvir chorar
Caminhar, caminhar, caminhar, caminhar
Sonhar, sonhar, sonhar, sonhar
Eu queria ter as mãos bem abertas
Pra deixar escapar as coisas mais certas
Queria abrir também meu coração
E poder abraçá-lo como a um irmão
Eu queria amar sem perceber
E me deixar somente ser
Fechar os olhos e receber
Um beijo seu e me perder
Sem perder, eu me perder
Sempre, sem perder
Sempre me perder
Somente ser
Eu queria não querer

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Nota Sobre as Mulheres

“Ahh, as mulheres...” dizia um grande amigo meu. E com razão. Se tem alguém que tem o dom de conquistar e amar, desconstruir e enlouquecer, são elas. Tão doces, tão amargas, tão espetaculares quanto destruidoras. Trata-se apenas de uma questão de posicionamento. Ou de tempo.
Acontece que as mulheres atuais, tão independentes, tão completas, se bastam tanto que são loucas para ser dependentes de um homem. Santa ironia! Reclamam que eles estão em falta, que eles faltam, mas sequer não sabem agir frente a um, porque não sabem ao menos pedir o que querem pela pressa, em ser, simplesmente mulher de um homem, antes mesmo de ser mulher- antes mesmo de construir uma identidade, um estilo de vida, uma história, uma profissão satisfatória, uma aposta de como se quer viver- para apostar tudo em ser desejante, perfeita, ideal para o outro.
E para um outro que nem se sabe quem é! Porque o pedido vai numa direção única: “me deseje”. Sem conquista, sem história. E aí, é claro, cria amores ensurdecedores, finge amar alguém impossível de ser amado: uma história teatral de amor. E depois de fazer tudo errado, se pergunta: “ Como assim ele não me ama? Mas eu sou tudo o que ele precisa! ”- e depois percebe que o outro não tem nada a dizer sobre quem se é, já que ele só pode devolver-lhe o efeito do seu pedido louco. E a mulher sai fora, dizendo que não lhe cabe aquele homem porque não era nada do que se pensava. Claro que não! Porque os homens deveriam saber sobre nós? Nada mais sensato estar a saber sobre si para não esperar que o homem assim nos fale. Sim, nós o intimidamos. Porque esse lugar de mulherzinha não se presta mesmo. Devemos nos abster das estratégias de amor idealizada para viver numa realidade que tanto dizemos que buscamos. Sem errar no pedido. Sabendo o que se quer, sendo mulher, primeiro. Se se quiser um homem da altura.

sábado, 23 de julho de 2011

Adiando, adiando...


Não há nada melhor do que deixar para amanhã aquilo que deveríamos fazer hoje, não é mesmo? Cotidianamente, fazemos diversos projetos magníficos para nós mesmos, em nossa imaginação, e neles gozamos. Contudo, ironicamente, colocá-los em prática, aos poucos -"Roma não foi construída em um dia"- nos cansa. Detestamos os meios, as pequenas coisinhas necessárias para chegarmos a imagem que demoramos meio minuto para conceber.

Ao nos cansarmos nessas pequenas tarefas necessárias, nos frustramos e vamos fazer qualquer outra coisa: assistir televisão, atuar no facebook, dormir, etc. O projeto, ainda sim, continua firme em nossa imaginação, e ainda gozamos ao pensar nele.

Se formos analisar, perceberemos que o atual projeto de nós mesmos detém semelhanças com outros projetos que outrora já concebemos. Estes, foram esquecidos, dariam muito trabalho, e diante das dificuldades acabamos por abandoná-los, passamos um período "de bode" e logo voltamos a erguer novos castelos para servir de refúgio a nossos desejos ocultos. Naturalmente, estes serão vencidos pelas dificuldades e serão deixados de lado. Trata-se de um mecanismo que contempla uma dupla repetição: erguer castelos para lá nos refugiarmos (ou o nosso desejo, como queiram) para, em seguida, abandoná-los quando eles se tornam chatos, repetitivos, pouco animados.

O grande texto seria aquele que não tive saco de escrever; a grande música foi aquela que não tive paciência de desenvolver; o grande relacionamento foi aquele que não tive coragem de arriscar. Há uma repetição aí: eu sempre sou aquilo que não pude ser. Por que não?

Parece que há um prazer na estagnação, desde que ela não seja percebida como tal. Temos um prazer inenarrável ao compor sonhos em nossa imaginação, e aí gozamos -daí a metáfora do castelo que serve de refúgio do desejo. Há uma aparente aversão à realização desses desejos: "o que acontece depois que minha fantasia se realiza?". Daí, diante desse temor ficamos paralisados em vidas pouco vividas e bastante pensadas. Claro, que também encontramos um grande prazer em eleger culpados para nossos fracassos. De bate-pronto: a falta de tempo, as pessoas que não colaboram, os pais, namoradas(os), etc.

Se o Brasil é o país do futuro, como gostamos de dizer, nós somos uma eterna possibilidade, dificilmente uma realização. Isso é um problema? Depende. Se entendermos que, o que faz da vida algo interessante é a diversidade de experiências, a auto permissibilidade que nos concedemos para encarar as consequências de vivermos nossos desejos (o que implica aceitar os sofrimentos brutais que isso, também, traz ) acho que se trata de um problema, pois nos contentarmos com o avesso disso, é nos curvarmos para o medo de encontrarmos nosso desejo.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

" Sempre que penso uma cousa, traio-a "

" Sempre que penso uma cousa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela,
Não pensando, mas vendo,
Não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma cousa que é visivel existe para se ver,
E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento;
Só existo directamente para o pensamento e nao para os olhos.

Olho, e as cousas existem.
Penso e existo só eu. "

F. P, Alberto Caeiro.

Sobre o discurso dominante das responsabilidades



O superego, a identificação, agora é aparato, produz padrão, reduz ao olho a imaginação, converte a imagem no não-singular, no pretensamente singular, outrora geral, agora pretensamente individual, pretensão que assegura o inumano pretensamente necessário, que não necessariamente segura o humano regressante, que retorna deformado pelo inumano, inumano cujo imaginário o quer re-reprimir por não reconhecê-lo sujeito-humano, e sim objeto-inumano, que só reconhece agora a um outro-objeto, não mais um outro-sujeito, a um outro-objeto um sujeito não se identifica, a um outro-objeto um sujeito divide, a um outro-objeto um sujeito fragmenta, um sujeito que não reconhece sujeitos não reconhece a si mesmo, um sujeito que só reconhece sua imagem-objeto para fora e não mais sua imagem-sujeito para dentro não se constitui com e contra o outro mas pelo e para o outro, não vive a incerteza da identidade sublimada mas a segurança da alteridade introjetada, do autoritário genital, que faz sobrar o primitivo, que faz domar o primitivo, até que o que retorne seja a morte do sujeito, que é a morte do social, a morte daquele que agora conhece o desespero que já foi o do outro, outro que só goza, mata e se mata com gozo, a quem se culpa pela morte, a quem se ressuscita e se culpa com gozo, gozo travestido de ética, travestido de consciência, travestido porque fascista, o gozo da morte.

sábado, 16 de julho de 2011

O Dever Conjugal


Não há tema em que se mente mais do que sexo. Mente-se porque o sexo e, sobretudo, o que nele está envolvido ainda é um grande tabu social. Desculpem-me os que acham que nunca fomos tão libertos, que as pessoas nunca transaram tanto, etc. Adianto que as pessoas não transam tanto quanto falam e, ainda que transem, também não gozam tanto assim. Homens e mulheres mentem sobre sexo de formas muito diferentes. Em geral, o homem mente aumentando e a mulher diminuindo.

Mas, e os deveres conjugais? Bem, em nossa cultura as relações de um casal são pautadas em rituais que não fogem muito a alguns costumes estabelecidos. Em suma deve-se ter cumplicidade, amor e, de preferência muito sexo. Freud –pai da psicanálise- serviu de inspiração para Lacan –psicanalista francês- quando este pronunciou a máxima “Não existe relação sexual” quando lançou mão da metáfora do encontro de porcos espinhos do filósofo Schopenhauer, século XIX

Nessa metáfora sobre a impossibilidade do encontro absoluto, dois porcos espinhos expostos a um frio de rachar se aproximam um do outro para se aquecer. Passado o frio avassalador, eles notam o quanto se feriram mutuamente e aprendem que não podem se aproximar tanto, mesmo que a idéia pareça atrativa.

Trazendo isso para nossas vidas, principalmente para a vida conjugal, chega-se as seguintes perguntas: Num jogo erótico vale tudo? A que condições um homem ou uma mulher podem (ou querem) acompanhar seus parceiros em suas fantasias?

A clínica psicológica nos mostra que muitas pessoas aparentemente “normais” –entenda: bem casadas, realizadas profissionalmente, etc- se sentem sozinhas, tristes e, em suma, insatisfeitas com seus relacionamentos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) num relatório feito em 2007 apontou o crescimento da depressão na população mundial, dizendo que, provavelmente, seria um dos principais males do século XXI. Lacan, em mais uma de suas famosas e polêmicas frases disse certa vez que “Depressão é covardia moral”, ou seja, significa o recuo diante do desejo. Mas por que recuaríamos diante do desejo?

Nesse ponto a psicanálise pode nos ajudar bastante. Em uma análise estimula-se o paciente a reconhecer seu próprio desejo (Reconhecimento de Desejo) mas isso acarreta um efeito, o desejo reconhecido precisa ser reconhecido por algum outro amado (Desejo de Reconhecimento). Mas o que isso tudo tem a ver com os deveres conjugais?

Resumo da ópera: 1)O que define a subjetividade é o conflito. Desconfie de pessoas sem conflitos, pois, muito provavelmente, ela “resolveu” suas confusões íntimas desistindo de suas fantasias, desejos e sonhos; 2) Num relacionamento, amar é um exercício constante, quase um trabalho. Deve-se estar atento ao outro, e estar apto a reinventar o relacionamento para que ele não engesse seus protagonistas em identidades sexuais pouco plásticas. Num jogo erótico vale tudo? Vale tudo o que eu aguento. E se aquilo que não aguento no meu parceiro for insustentável, devo repensar se o amo, de fato; 3) Os deveres conjugais –que certamente irão continuar existindo- podem, portanto, servir para engessar a relação se não permitirem que o casal explore as múltiplas identidades um do outro, ou para manter vivo o perigoso desafio de conhecer a pessoa que está ao seu lado. Garanto que nessa opção, você poderá sofrer de muitas coisas, menos daquilo que Lacan chamou depressão.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Eternos Garotões




Quem nunca presenciou um homem de idade avançada agindo tal qual um garotão de vinte e tantos anos? Como um garotão de vinte e tantos anos age? Um garotão dessa idade, em nossa cultura, está autorizado ( e incentivado ) a agir em plena conformidade com seu prazer pleno. Todas as proibições que o castraram da plena realização de seu desejo na adolescência, agora são mais do que possíveis, são obrigatórias.

Em nossa cultura é isso o que se espera de um garotão de vinte e tantos anos. Mas, como tudo o que supostamente é bom acaba, o que ocorre quando nosso garotão avança na idade e se vê diante do espelho e dos olhos dos outros, como alguém já não tão incentivado a gozar da vida dos prazeres?

1) Se eu não me percebo mais tão desejado pelo outro -e portanto autorizado e/ou incentivado a curtir a vida dos prazeres fáceis- e vejo, por exemplo, meus filhos, e os garotões da empresa em que trabalho ocupando um lugar que já foi meu, passo a imitá-los: roupas, vocabulário, hábitos, etc.

2)Retornando aos meus vinte e tantos anos, volto a me sentir vivo e como alguém que pode curtir a vida dos prazeres, pois, afinal de contas, repensar na vida é para quem tem lá seus cinquenta anos.

3) Embora eu consiga por em prática meu auto-engano, isso não vem sem custo. Diferentemente de quando eu tinha meus vinte e poucos anos, quando não precisava fazer absolutamente nada para me sentir como tal, agora preciso de um esforço considerável para, principalmente, olhar para o espelho e para o olhar do outro e não enxergar um "você está sendo ridículo" estampado em ambos.

Moral da história, em nossa cultura a idade avançada é algo a ser evitado porque, principalmente, não há inscrição de desejo nela. Quando a velhice não é desejada, ela se torna proibida. Pelo que noto, essa evitação se relaciona com uma dificuldade que temos em deixar a euforia despreocupada -lugar destinado e ocupado pelos garotões de vinte e poucos anos- para nos havermos com nossas próprias escolhas.

Uma cultura que destina para sua velhice -condição inalienável do humano, todos vamos chegar nela um dia-o lugar a ser evitado a todo custo, é uma cultura que não gosta de se olhar de perto. Daí tantos homens avançados na idade se portando com adolescentes, quais são as opções possíveis se, sobretudo, o velho não é desejado pelo outro?

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Quanto às escolhas que nos rodeiam e nos angustiam diariamente, nada mais sensato do que coragem para carregá-las. Mas quantos agüentam o peso?!
Nietzsche em “O Anticristo” (1895), diz: “Fomos suficientemente corajosos, não poupamos nem a nós nem aos outros: mas por muito tempo não sabíamos aonde ir com nossa coragem. Tornamo-nos sombrios, éramos chamados de fatalistas. Nosso destino era a plenitude, a tensão, o represamento das forças. Tínhamos sede de energia e proezas, mantivemo-nos o mais afastado possível da alegria dos débeis, da “resignação”...Havia uma tempestade em nosso ar, a natureza, que somos nós, escureceu porque não tínhamos caminho. A fórmula da nossa felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta... ”. Fatalista, sábio, cético, louco. Da filosofia, sua arte, da lucidez, sua loucura, da desconstrução, uma visão que muito nos serve. Fez, foi e ficou na história porque acreditava nas suas convicções e no sentido que elas faziam, por mais que faltasse. Desacreditava na maioria das verdades universais, mas nunca dele mesmo. E por que não admirar essa coragem...E por que não ousar o desejo...
Decisões que adiamos, falas que contemos, a modernidade não sabendo escolher pois não sabe o que deseja. É o desejo que não é encarado porque pesa demais. Ficamos então emperrados nos próprios medos e a liberdade em relação a nós mesmos é traída pelas nossas próprias fugas. Evitamos a dor, adiamos o luto, nos escondemos atrás das nossas vontades, porque falta força, falta coragem. Quanto pesa saber de si e por que isso nos desencoraja?! Por quê o medo do peso e a preferência pela leveza? Em Insustentável Leveza do Ser(1984),de Milan Kundera, há uma questão que aqui nos cabe: “o que é positivo, o peso ou a leveza? Se o fardo mais pesado é, ao mesmo tempo, a imagem da mais intensa realização vital e quanto mais pesado mais nossa vida é real e verdadeira e, por outro lado, ser leve é distanciar da terra; os movimentos são tão livres quanto insignificantes.”
Que seja como pedra, ou como pluma, mas que haja coragem.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Conhece-te a ti mesmo

                                                                                     
Por Thiago Marinho Reis
                                                                                       
                                                                                            “Conhece-te a ti mesmo”
                                                                                            Sócrates 470-399 a.C.


Em diversas situações no decorrer de nossas vidas terminamos por pensar e agir de
forma que, posteriormente, nos arrependemos. Perguntas como “por que eu disse isso?” ou
“por que eu fiz aquilo?” às vezes batem em nossa cabeça e por lá ficam por dias e dias. Muitas
vezes isso é natural e não implica em grandes consequências em nossa rotina. Contudo, há
momentos em que não saber os reais motivos pelos quais agimos e pensamos nos trás grande
sofrimento, além de prejudicar nossas relações com os outros.
Nessas horas, poucas alternativas nos restam além de tentarmos responder essas
perguntas, para que assim possamos voltar a viver da forma como acreditamos ser a melhor.
Contudo, de que maneira podemos respondê-las?
Se você consegue identificar esse momento e se vê disposto a buscar respostas, você já
deu o primeiro  – e talvez mais importante  – passo, pois nos custa muito olhar para nós
mesmos e percebermos que precisamos de ajuda.
Através da terapia encontramos  um espaço onde podemos olhar para dentro de nós
mesmos sem nos preocuparmos com o julgo social, pois o terapeuta diante de você está lá
para acolher o que lhe é dito, sem qualquer julgamento. Apesar de a participação em um
processo terapêutico demandar tempo e muita energia, podemos, através dele, iniciar
pequenas mudanças em nosso ambiente e rotina para que, assim, possamos modificar o nosso
comportamento.
Essa nova perspectiva nos auxilia a adquirir o autoconhecimento, essencial para que
mudanças efetivas possam começar a surgir em nossa vida. Com ele, vamos aos poucos
descobrindo melhor a forma com que o mundo influencia a nossa maneira de pensar e agir.
Se autoconhecer é buscar assumir a responsabilidade pela própria vida. É o que nos
possibilita melhorá-la.