quinta-feira, 7 de julho de 2011

Eternos Garotões




Quem nunca presenciou um homem de idade avançada agindo tal qual um garotão de vinte e tantos anos? Como um garotão de vinte e tantos anos age? Um garotão dessa idade, em nossa cultura, está autorizado ( e incentivado ) a agir em plena conformidade com seu prazer pleno. Todas as proibições que o castraram da plena realização de seu desejo na adolescência, agora são mais do que possíveis, são obrigatórias.

Em nossa cultura é isso o que se espera de um garotão de vinte e tantos anos. Mas, como tudo o que supostamente é bom acaba, o que ocorre quando nosso garotão avança na idade e se vê diante do espelho e dos olhos dos outros, como alguém já não tão incentivado a gozar da vida dos prazeres?

1) Se eu não me percebo mais tão desejado pelo outro -e portanto autorizado e/ou incentivado a curtir a vida dos prazeres fáceis- e vejo, por exemplo, meus filhos, e os garotões da empresa em que trabalho ocupando um lugar que já foi meu, passo a imitá-los: roupas, vocabulário, hábitos, etc.

2)Retornando aos meus vinte e tantos anos, volto a me sentir vivo e como alguém que pode curtir a vida dos prazeres, pois, afinal de contas, repensar na vida é para quem tem lá seus cinquenta anos.

3) Embora eu consiga por em prática meu auto-engano, isso não vem sem custo. Diferentemente de quando eu tinha meus vinte e poucos anos, quando não precisava fazer absolutamente nada para me sentir como tal, agora preciso de um esforço considerável para, principalmente, olhar para o espelho e para o olhar do outro e não enxergar um "você está sendo ridículo" estampado em ambos.

Moral da história, em nossa cultura a idade avançada é algo a ser evitado porque, principalmente, não há inscrição de desejo nela. Quando a velhice não é desejada, ela se torna proibida. Pelo que noto, essa evitação se relaciona com uma dificuldade que temos em deixar a euforia despreocupada -lugar destinado e ocupado pelos garotões de vinte e poucos anos- para nos havermos com nossas próprias escolhas.

Uma cultura que destina para sua velhice -condição inalienável do humano, todos vamos chegar nela um dia-o lugar a ser evitado a todo custo, é uma cultura que não gosta de se olhar de perto. Daí tantos homens avançados na idade se portando com adolescentes, quais são as opções possíveis se, sobretudo, o velho não é desejado pelo outro?

6 comentários:

  1. Pô paulinho. Enxergar com M é foda!

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  2. Existe uma questão de gênero que você poderia levantar: Uma espécie de "terceira via", explico, o esteriótipo do homem maduro(se charmoso, bem sucedido financeiramente...). Um "descarte" de mulheres mais velhas, para o "consumo" de mulheres mais novas é o epicentro da nossa cultura do desejo.
    O fim da sociedade patriarcal e da própria instituição da família como instância reguladora dos ritos de passagens significou o fim de uma linha vizinha que separa o jovem do velho. Porém, é importante observar que hoje não vivemos uma espécie de nova barbárie, pois se o centro da sociedade patriarcal era a submissão da mulher, é através do posicionamento da mulher na cultura do desejo contemporânea.

    Se o exercício de se colocar no lugar de outros que o texto opera avançasse para a posição de uma outra-mulher, um outo-a-pobre, etc... A questão da velhice teria desdobramentos distintos.

    O que gostaria mesmo de pontuar é: Qual sentido de endossar o discurso da decadência, se podemos nos ater mais à multiplicidade dos tempos e possíveis fissuras que estas geram. Afinal as mudanças não surgem em uma batalha final, mas sim como processos de deterioramentos (faz sentido a metáfora de “ruína da civilização”).

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  3. Gostei da questão da alteridade, se avançarmos, talvez seja possível até concluir que a velhice nos dá a liberdade dos loucos, artistas, -crianças... Nos coloca dentro de uma espaço-tempo distinto da "sociedade do desejo". Ver a velhice com outros olhos permite fincar uma lança no opressor que nos habita...

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  4. Caro Angelo,

    O descarte de mulheres mais velhas pode estar relacionado com o consumo de mulheres mais novas se a questão for vista pelo ângulo que coloquei, o da aversão pela velhice. Por efeito, pode-se pensar que nem mesmo o nosso jovem garotão tem algo com essa mulher jovem, afinal sua relação é do tipo objetal.

    Não estou bem certo se o que fiz foi endossar o discurso da decadência, até porque não vejo a velhice, necessariamente, como tal. Pelo contrário, penso ter escrito sobre a decadência de nossa cultura que não inscreve a velhice no registro do desejo, ou seja, não se têm um imaginário erotizado sobre a mesma, o que a faz ser percebida e nomeada da forma como você colocou.

    Claro, é seguramente algo interessante se ater à multiplicidade dos tempos e possíveis fissuras que estas geram. Contudo, entendo que uma possível fissura não se torna possível sem a inscrição do objeto no registro do desejo- a coisa fica um pouco mais complexa quando se pensa na questão: como se fazer isso sem cair em uma cartilha do tipo “como devo perceber a velhice?”- Isso daria á velhice um lugar mais desejável.

    Um abraço.

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  5. Paulo, reli faz pouco tempo o livro da "Da Sedução" do Baudrillard. Existe uma dualidade na esfera do desejo: o desejo funcional, da cultura de massas e da psicanálise que confunde o desejo com gozo, que é traduzido para linguagem do desempenho (da técnica), nessa esfera não existe individualidade...

    Existe um outro tipo de desejo, erótico, que relaciona, une as pontas nascer-morrer; Nesse registro o erotismo não se relaciona diretamente com o gozo, mas com a questão limite da morte. Desvalorizar a velhice é um artifício para eternizar o tempo presente, o tempo da vida deve seguir a lógica do capital: de perpetuação eterna da mais-valia convertida em mais-prazer. É o cenário que Marcuse nomeou como "dessublimação repressiva".

    Você aponta uma contradição, note, ao afirmar que ser velho é não ser desejado, será? Será que somos mesmo marionetes dos valores da cultura em que estamos inseridos? Qual o motivo do temor do "garotão" envelhecer?

    Palpite, temos medo de ser excluído. Porém, é só de fora que se abre a possibilidade de se individualizar, é a tal dialética negativa da teoria crítica.

    O "garotão" quando se colocou diante do espelho, quase chegou lá... Se ele tivesse sido mais precavido, como Ulisses foi ao se amarrar no mastro do navio, ele teria elaborado melhor o juízo acerca da velhice e não diluiria essa na cultura "decadente" que vivemos.

    Não será a morte meu caro Paulo o segredo escondido na recusa da velhice?

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  6. Caro Angelo, desculpe a demora pela resposta.

    A psicanálise não confunde desejo com gozo. São dois conceitos distintos. Me corrija se entendi mal, você está dizendo que o gozo encontra sua expressão na linguagem do desempenho (da técnica)?

    Concordo que "desvalorizar a velhice é um artifício para eternizar o tempo presente, o tempo da vida deve seguir a lógica do capital: de perpetuação eterna da mais-valia convertida em mais-prazer". Diria que, do ponto de vista clínico, trata-se de um problema na medida que o corpo e o espelho esfregam na cara de qualquer um a marca inexorável do tempo, que ao lhe atravessar tira pedaços e os leva para o nada, de onde saímos. Eternizar o tempo presente cria dois subprodutos perigosos: a cecguice e a infantilização da subjetividade.

    Isso porque o desejo por onipotência em relação às contingências é marca de um pensamento tipicamente infantil, que não consegue se adaptar a algumas condições da vida, como por exemplo o envelhecimento.

    Sobre a questão, acho que sim, somos, em partes marionetes dos valores hegemônicos de nossa cultura porque eles são nossos tijolos constitutivos. No entanto esses tijolos, por si só, são contraditórios. Veja um traço de nossa cultura facilmente expressado pelos indivíduos. Ao ver um casal de velinhos sentados em uma praça, logo se pensa sobre "quão fofinhos eles são" "quão bonitinhos eles parecem", etc.

    Problema: parte majoritária de nossas identidades são conferidas pelo olhar do outro sobre nós -somos, em boa parte, aquilo que o outro, por alguma via, nos diz que somos. O idoso é colocado no mesmo lugar da criança, alguém que, por exemplo, traz uma pureza não sexual. E quando se vê um senhor a la "Memória de minhas putas tristes" costuma-se dizer "velho safado".

    Conclusão, se você se tornar velho esqueça sua sexualidade, pois o outro não vai reconhecê-la. Isso é uma daquelas coisas que a gente sabe sem saber que sabe, está introjetado e operando fastasmagóricamente em nossas cabeças. Aqui, entendi que estar excluído é estar no registro do não-desejável.

    Sobre o "estar de fora" para se individualizar (meta negativa da teoria crítica) tenho lá minhas ressalvas. Tendo a concordar com isso do ponto de vista filosófico. No entanto, a teoria crítica também entende que a psicanálise perde seu potencial subversivo na medida em que é posta em prática na sua expressão original: a clínica. A esse respeito, tendo a discordar, embora compreenda o que eles tinham em mente.

    Boa lembrança, do Ulisses.

    Para terminar, penso que minha crítica se dirige a um pensamento infantil, com todos seus desejos por onipotência, de negação da vida tal qual a mesma é, de evitação de angústias oriundas do processo de se deparar com suas limitações, de exaltação de mentiras -do tipo, envelhecer é um estado de espírito, tal qual o frio. Enfim, acho que há todo um pacote culturalmente estabelecido que sustenta uma série de comportamentos doentios que a clínica nos revela em sua faceta mais crua: o sofrimento.

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