É bastante urgente a questão das drogas no panorama político atual. Essa é apenas a constatação de um fato, mas o que há para se dizer, ou ainda para se pensar sobre essa questão?
Em primeiro, gostaria de afirmar a importância de tratar o assunto como questão, pois não há possibilidade – a meu ver – de uma conclusão sobre esse assunto no atual contexto. Prova disso é a atual investida do projeto de lei proposto por Demóstenes Torres que dispõe sobre a problemática apontando como uma possível solução a tão equivocada Internação Compulsória do usuário de drogas ilícitas. Ato tão polêmico e atual com relação ao qual, desde já me coloco em posição radicalmente contrária, mas sobre o qual gostaria muito de propor alguma reflexão.
Se aprovada, a lei garante ao Estado o direito de privar um cidadão usuário de drogas ilícitas de sua liberdade, colocando-o em uma “instituição de tratamento”. A justificativa para tal proposta é baseada na situação do crack dentro do contexto social. O uso do crack na atual conjuntura é tratado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (não apenas por ela) como uma epidemia. E o que dizer disso? Pois bem, em primeiro que, pessoalmente, vejo não apenas uma cadeia de equívocos em série nesse interim, mas, principalmente, que me chama atenção a impulsividade e agressividade das iniciativas tomadas, das discussões, da emersão dos discursos sobre o tema, por toda parte.
Não pretendo com esse texto expor nem a metade do que penso sobre o assunto, mas apenas chamar para a discussão alguns fantasmas.
A droga é um fantasma! A droga é um fantasma? Ela assombra a sociedade! Assombra? Bem, não vejo assombro algum nos inúmeros usuários da rede de atendimento em saúde mental (na qual trabalho, ou nas quais conheço), nem em seus familiares, com relação às diversas drogas que consomem. Algum incômodo, talvez. Mas nenhum assombro, nenhum terror, nenhuma ansiedade diante das substâncias que (essas sim) são declaradamente utilizadas para alterar seus comportamentos, seus estados de humor, sua personalidade. E o que é que difere a Fluoxetina, o Haloperidol, o Clonazepam, do crack? Disse apenas crack para não citar os diversos outros nomes tão mais conhecidos do que os das drogas psiquiátricas às quais acabo de me referir.
A resposta me parece simples: controle! Essa é a diferença! Claro que sim, mas de que controle falamos? Vários, na minha opinião, mas apenas um em suma: o controle na mão de outro (ou fora da minha, como preferir). Já ouvi isso, não inventei. Ouvi: “essa coisa (o crack) deixa a pessoa louca”; “Acaba com a vida da pessoa”; “Quem usa essas coisas não tem Deus no coração”; “O cara começa a se drogar e vira um vagabundo”. Ouço isso cotidianamente, entre outras coisas. O discurso social normalmente trata as drogas ilícitas sob as rédeas do terror.
Há diferença, claro que há! Há drogas que são para tratamento, outras que são para pessoas que querem outra coisa delas! Será? O que quer alguém que toma cachaça na rua? É mesmo tão diferente do que quer o usuário de Clonazepam? Há algo aí nas substâncias que alteram a consciência. Claro, não vou discutir o uso de analgésicos (mesmo que talvez já esteja em discussão a analgesia).
Proponho apenas algumas frases “soltas” antes de encerrar: ‘Desde que sob autorização do Estado, posso me drogar sem culpa’; ‘Se o médico receitou, é para o meu bem’; ‘Quem acabou com a vida daquela criança foi o crack’; ‘Quem usa, é igual a quem trafica’ (o que pensar da relação médico-paciente...?); ‘Esse povo fica por aí drogado por que não tem o que fazer’ (será que basta querer fazer alguma coisa, como trabalhar?).
Enfim, isso é só uma pitada de caos. Mas meu objetivo com isso é apenas movimentar, arejar o pensamento, retirá-lo do curto-circuito “droga representa o mal” já que isso impede de refletir. Se o texto serviu para mostrar o quanto nós (eu também, claro) não temos condições mínimas para discutir de forma responsável as políticas sobre drogas, já serviu para muito. Afinal, independente de querer dar respostas, o que pode ser mais irresponsável do que decidir democraticamente pelo direito estatal de me privar da liberdade, por qualquer motivo que seja?
* Texto elaborado por Milton Nuevo, psicólogo, meu amigo.
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