quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Mulheres Inteligentes



A inteligência é um afrodisíaco; as mulheres que compreenderam esta máxima estão menos solitárias e vazias no final das noites.

Ok leitora, não forcemos a amizade: grande parte dos homens só estão mesmo interessados em coxas bem torneadas, jeans apertado, decotes generosos e, sobretudo, pouco falatório e cobranças.

Serei categórico: dê uma lição a estes homens, desista deles. Sim, desista. Ainda que você fosse esse avião todo, este homem lhe promoveria ao digníssimo status de “troféu” para se gabar diante dos amigos; o tempo seria cruel, pouco a pouco você encontraria o destino inexorável: não há como manter a boa forma para sempre.

Pronto, chegamos a um dos principais fantasmas da condição feminina: o envelhecimento. E agora, diria você, como faço para ser vista, para chamar a atenção, para ser desejada? Voltemos à primeira frase do texto, agora explicando.

Supondo que seu interesse não é um lugar provisório na prateleira de um daqueles caras, mas sim o interesse real de um homem em você (não em sua imagem especular) alguns apontamentos sobre o universo masculino superior.

1)Já se perguntou sobre o porquê do sucesso das prostitutas e das amantes no imaginário masculino? Pois então, homens não primários (casados ou solteiros) dificilmente resistem às mulheres que se mostram interessadas, de alguma forma, em suas fantasias, identidades secretas, lados Bs; 2) Mulheres identificadas com esta posição tornam-se caríssimas aos homens interessados por relação com mulheres; 3) Tendemos (nós humanos, independente do gênero) a desvalorizar o que vêm com facilidade, então ponha um preço (condição) para estar nesta posição tão almejada pela fantasia masculina.

Ademais, a clínica psicanalítica nos mostra que muitos homens se encontram frustrados diante do desinteresse das mulheres por suas fantasias não óbvias. Eis um arranjo bastante favorável (e possível), talvez uma chave, para desarmar o temor da solidão, da invisibilidade e, ainda por cima, uma tangente para um amor real, e a dois.

Em matéria de sexo, constatamos na prática aquilo que Freud tão bem teorizou: a obviedade não está no menu de nossas fantasias. Problema: não existe sexualidade autonomizada da fantasia. Acessar a fantasia, contudo, não é nada intuitivo ou óbvio, requer trabalho e, preferencialmente, um psicanalista. Mas, sobretudo, requer um desejo: desejo de saber sobre si. Aqui a coisa pega, pois saber de si incide em atentar deliberadamente contra o narcisismo (idealização de si mesmo).

Bem, sempre há opções. Existem muitas prateleiras vazias, esperando troféus para se embelezarem. O problema, cara leitora, é o final dos dias, das semanas, dos meses, dos anos, não é...?

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Um Divã Para Dois



Sabe quando você vai assistir uma daquelas comédias românticas que trazem ao contemporâneo o conto de fadas da Bela Adormecida ou da Branca de Neve versão fast food? Após gargalhadas, choros e torcida chega o tão esperado final feliz. Mas não tarda a vir o pensamento “Legal, mas como será que o casal apaixonado irá viver agora...?”

O excelente “Um Divã Para Dois” de David Frankel, em cartaz nos cinemas, inverte a chave: o ponto de partida é o inferno matrimonial 30 anos após a conquista. Filme sério (embora cômico) sobre relacionamentos. Kay (Meryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones) formam um casal de terceira idade. Há tempos a relação estacionou e eles se adaptaram a rotina que fez seu papel de amenizar a evidente degeneração da relação. Bem acomodados aos papeis que exercem, tentaram se convencer (cada um ao seu modo) de que não havia mais nada que a vida pudesse-lhes propiciar. Kay não aguenta e procura por uma terapia intensiva para o casal, arrastando consigo o rabugento (mas engraçadíssimo) Arnold.

Alguns apontamento suscitados pelo filme:

1)O filme confirma o que a clínica nos atesta: nada traz tanta miséria subjetiva quanto a completa ignorância/indiferença às nossas fantasias. 2) A antiga associação entre durabilidade e qualidade de relação é absolutamente enganosa. Não basta “trabalhar” para manter/preservar a relação. Há de se “trabalhar” para qualifica-la. 3) O casamento é uma instituição falida? Talvez, mas em termos. Não estou convencido da superioridade das opções que nossa cultura criou para viver o amor a dois. 4) Nossos velhos se convenceram que idade avançada significa fim da vida sexual.

Comentários:

1)O ápice conjugal ocorre no momento em que ambos conseguem vivenciar (a dois) suas fantasias. 2) O desenrolar da trama seria improvável para alguém identificado com as soluções que nossa cultura oferece para as inexoráveis turbulências conjugais. Os servos do “prazer imediato e total custe o que custar” não simpatizariam com a necessária abdicação que qualquer experiência qualificada traz como exigência. 3) Ainda estamos aprendendo a dosar (temperar) o paradoxo fundamental trazido pela Modernidade entre segurança e liberdade. A grande maioria das patologias psíquicas estão relacionadas a excessos ou inibições de ambas. 4) O filme trabalha (sutilmente) uma questão de fundamental importância: menopausa é uma questão que deve ser levada a sério, seja por quem vive, seja por quem trata. Nossa cultura desprezou o velho de tal forma, que fez-se um perigoso curto-circuito associativo: fim da possibilidade reprodutiva representa o fim da vida sexual.

Por fim, quando o corpo acorda de seu sono profundo e problematiza nossas vidas, com suas incessantes e escandalosas demandas, temos duas formas de enfrentar a situação: saber do desejo ou aderir aos modismos oferecidos pelo mercado de soluções baratas. Kay optou pela primeira. Para os críticos da instituição casamento, uma resposta.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eterno Começo



Diagnóstico: fascinado por começos, alérgico a meios, constantemente disposto a recomeçar de novo, preferivelmente em meio a gargalhadas devidamente documentadas no Facebook, eis o homem contemporâneo.

Pense em você leitor(a). E aquele plano que você fez para você nos últimos suspiros do ano passado? E aquela história de “um novo eu” para o “novo ano”? Não precisa ir longe: certamente hoje você teve uma série de ideias nas últimas duas horas para “um novo você”.

Seguramente que a viabilidade destes novos planos exigiriam o sacrifício daqueles que
você se esforça diariamente para tocar. Mas, diria você “Danem-se estes planos. Pensando bem eu nunca gostei muito deles” ou “Eles não estão me fazendo bem, não estou feliz, só estou tendo trabalho”.

A mecânica (sim, mecânica!) contemporânea é sinistra e banal. Somos fascinados pela operação reiniciar. O coro dos fanáticos pela felicidade total hipnotiza os carentes de sentido. Olha-se para os lados e logo se vê alguém se reinventando, sempre devidamente eufórico. Você, tentando se haver com as intempéries geradas por aquele antigo plano que resolveu levar à cabo, está facilmente suscetível a calefação.

Não surpreende a alergia aos meios. Estar simplesmente em meio a uma escolha (nem pateticamente deslumbrado, tampouco amargurado e fissurado pelo fim da agonia) pressupõe um gosto pelo hábito, termo antigo, em franco desuso em tempos de reinvenção diária de si mesmo.

Não tenho dúvidas que Zygmunt Bauman é o pensador do nosso século (ao menos do seu início). A ambivalência do pós-moderno é, segundo o polonês, sinistra e banal: ele quer, o tempo todo, coisas que não tem, mas estas colocam-lhe um preço que ele não pode pagar. O que ele quer? Tudo o que aplaque o mal-estar líquido do qual nunca escapa.

Oras, mas para isso ele precisaria passar por uma transformação retroativa do seu estado: teria que fazer o curso líquido --> sólido. Na mecânica da operação “reiniciar”, à qual me referia, a tendência do líquido é “encontrar sua paz”, saindo do tédio que é a situação líquida ao vaporizar-se.

Há retorno para esta sinistra e banal dinâmica termostática que vive a me engolir, trazendo-me este terrível sofrimento vazio? Sim. A que preço? Quanto você pode pagar?

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mulheres e Homens


Desejo, logo sofro. Talvez esta seja a máxima psicanalítica por excelência. Se a Psicanálise tem algo de útil a oferecer (e seguramente tem), certamente é sobre esse negócio chamado desejo. Como se constrói o desejo? Há lógica? Sim, mas vamos com calma.

Desejo e vontade não são sinônimos. Os desejos estão na categoria das paixões, matéria constituinte da maldita condição com a qual devemos aprender a lidar. No universo heterossexual, o desencontro entre homens e mulheres é certeiro. Já o encontro -que seria o desejável- é matéria constituinte dos momentos mágicos onde a vida deixa sua marcha ordinária.

O itinerário habitual começa no jogo das mútuas idealizações (se um não quer, dois não brigam). Neste ponto, homens e mulheres saciam demandas com aquilo que estão em condições de ofertar - eis a mágica e o que faz o fascínio dos começos. A mulher, sobretudo, deseja ser capturada por um homem que mostre-lhe um fervor desejante, demonstre que a ame, preferencialmente dando provas. Assim, no pleno exercício de sua demanda, ela acaba por oferecer o que interessa à demanda masculina: a conquista. O desejo feminino por ser desejada está para o desejo masculino da conquista (ou captura, no cruel universo darwinista).

Mas, em se tratando de desejo, a coisa nunca é tão simples. É bastante evidente para quem lida com os sofrimentos de pacientes que sofrem por desejos insatisfeitos, que, comumente, eles se atrapalham bastante nesse game of love. Vou comentar um dos incontáveis “erros de cálculo”.

As mulheres, em especial, aprendem rápido que a melhor forma de conseguir saciar sua demanda é por meio da indiferença completa àqueles que se apresentam como pretendentes. Há verdade nisso. A lógica que anima a estratégia é: “se eu me entregar de lambuja, ele não irá me valorizar como eu quero, afinal, quem valorizaria aquilo que não deu trabalho para conseguir?”

Estratégia perfeita, no século 19. Hoje, homens assustados com o processo de independência da mulher, estão em crise com a função-macho. Ou seja, aquilo que afirmava sua potência -a capacidade da conquista- tornou-se árido a ponto dele não acreditar ser possível. Desse modo, a estratégia da indiferença é interpretada como “mais uma mulher independente que não precisa de mim”. Diante disso, o homem ressentido também dá sinais de indiferença e nada acontece.

Assim, homens e mulheres ficam a cirandar em um carrossel infernal que não para de rodar. E, no final da noite, todos estão a sós com suas frustrações. Consultórios psicológicos recebem homens ressentidos, reclamando das mulheres autossuficientes, e mulheres desesperadas por amor, reclamando dos homens que não querem nada com nada. Uma dica: dada nossa tendência a projetar nos outros nossas falhas, sempre achando que nele reside todo o problema, talvez ajude em alguma coisa perceber que você também é falho.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Melancolia


Há tempos Lars von Trier estreitou relações conjugais com a tradição trágica da existência. Para habitar este universo rarefeito é preciso coragem, algo que parece sobrar ao diretor dinamarquês e faltar em nossos tempos.

Seja em Dogville (2003) ou em O Anticristo (2009), Lars Von Trier encurrala, em um beco sem saída, todos representantes das utopias modernas para fincar-lhes presas envenenadas, engolfando o expectador no deserto agônico que nossa cultura insiste maquiar.

Nos dois filmes mencionados acima, o Mal é o protagonista. Como bom trágico, Lars von Trier é um moralista cético. Quando falo em moralista não me refiro ao uso cotidiano do termo, mas sim a filosofia moral, tal como nos fala Nietzsche, Dostoievsky, Hume, entre muitos outros. Aqui não há espaço para utopias. O ser humano é naturalmente mal, restando à sociedade a incumbência de civiliza-lo (o oposto da lombeira hipótese de Rousseau).

Em Melancolia (2011) o diretor adentra, impiedosamente, em nosso desamparo fundamental. A narrativa edifica-se nos diferentes movimentos das irmãs Claire e Justine ante a inelutável cercania do Fim. A otimista, madura e bem resolvida Claire, em emergência, apega-se, em meio a gemidos nervosos, à messiânica razão científica. A pessimista e infantil Justine sabe das coisas, e por isso não liga.

Em termos nietzschianos –aparentemente um dos estros poéticos do diretor- Claire está no registro do ressentimento, incapaz de suportar a completa indiferença cósmica em relação à vida. Justine –a heroína- ao se render, nua e diabolicamente serena, diante dos encantos do Planeta Melancolia poderia entoar intuitivamente a máxima kafkiana de que existem muitas esperanças, não para nós. Na chave nietzschiana, Justine estaria no registro do niilismo passivo: nega os afetos infantis que animam a moralidade patológica de Claire e John (os “adultos” da narrativa) mas não consegue respirar fora de sua cripta.

É claro que podemos tomar o filme como uma metáfora comprobatória da experiência laboratorial que demonstra as consequências comportamentais da ausência de contingências reforçadoras, ou da sapiência psicanalítica sobre a melancolia enquanto um luto sem fim, fruto do processo de esvaziamento e pauperização de um Eu fixado na perda do objeto constituinte, ou mesmo na reflexão psicossociológica acerca dos desdobramentos nefastos da produção de subjetividades encasteladas pela lógica mercantil.

Todas as vezes que revejo o filme noto-me quase a sentir o cheiro da melancolia no ar. Acho que o cinema de Lars von Trier está próximo do que poderia ser chamado de um “cinema trágico”. Seja pela construção de personagens profundos ou mesmo pelo gosto em desvelar o que costuma ser matéria de recalque, fato é que não se escapa incólume de seus filmes. E pior, ao tentar resenhar sobre, a tendência de quem entendeu a metáfora do filme é somente uma: silenciar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pretensão Psicanalitica sobre o filme Melancolia


 “ Meu amor

o que você faria

se só te restasse um dia

Se o mundo fosse acabar

Me diz o que você faria

Ia manter sua agenda, de almoço, hora, apatia, ou esperar os seus amigos, na sua sala vazia?(...)”

Paulinho Moska/Lenine

 

Se só restasse um dia, cada um reagiria de formas inimagináveis, mas não tão fora de acordo com o que se costuma agir diante de situações em que não se tem muita escolha, acredito. 

No filme de Lars Von Trier, a espera de seus habitantes para o fim do mundo, com a chegada do planeta Melancolia, nos dá um bom exemplo de que alguns, frente a falta de perspectivas,  recuam de sua via e adotam uma atitude fatalista frente ao conflito.Outros lutam até o fim.

Alguns fatores são estruturantes, porque traumáticos, no sentido de determinar uma estrutura (posição do sujeito em relação ao Outro). Lacan nominou de fantasma o que o sujeito inventa para arcar com a falta, um modo de negociar o objeto a (causa do desejo) em troca da demanda do outro. Os que recuam, não negociam. E os que não negociam...

Na trama, a personagem Justine sai de cena em seu próprio casamento. Vestida de noiva, resolve tirar o véu da fantasia. Incapaz de se iludir sobre o fim das coisas, desiste antes da hora. Desvestida da fantasia, que é o suporte do desejo, resgate de uma posição, torna-se desajustada, em desacordo, incapaz de corresponder a demanda do outro. A quebra da sua fé lhe tira condições para reinventar as representações do mundo, já que suas formações imaginárias (organização em torno de identificações e demandas de amor e reconhecimento) estão esvaziadas. A mãe-má recusa o pedido de socorro de Justine, se retira o tempo todo- se é que se colocou alguma vez- e o pai nem mesmo o escuta.

Freud inaugurou os estudos sobre os estados depressivos em seu artigo luto e melancolia (1917,1915). Diz que existem duas reações diante de uma perda real ou ideal de um objeto investido libidinalmente: o luto, uma condição normal, e seu correspondente patológico, a melancolia. O melancólico freudiano é o bebe repudiado pela mãe. E o lacaniano é seu outro materno pouco disponível, em que o Nome do Pai, foracluído, não se inscreveu por meio do discurso da mãe. Ao melancólico não houve significação fálica. O Outro não se apresentou em tempo ou se retirou cedo demais. Então o melancólico é aquele “preso a um tempo morto, um tempo em que o Outro deveria ter comparecido, mas não compareceu”, fala Rita Kehl. Morre o outro para o melancólico, morre o outro e portanto o próprio corpo.

            Diferente do luto, a libido investida no objeto perdido retorna ao eu e lá estabelece a identificação do eu com o objeto perdido. A perda não é simbolizada pelo melancólico, precipitando a morte do desejo. A comida preferida de Justine “tem gosto de cinzas” . “A vida na terra é má”. Parte do eu identificada ao objeto perdido se torna a própria perda em si. 
Em todo processo de luto, confronta-se com a castração.

Claire em contrapartida, cuida da irmã, mesmo depois da ruína de um casamento minuciosamente programado, e é ainda capaz de pensar num ritual simbólico ali, diante do inevitável.

            Finitude sim. Estamos diante do fim o tempo todo. O futuro é o tempo da incerteza, mas vale alguma criação de sentido frente a única certeza que temos, que é a morte. Todo dia é dia da possibilidade de nos restar um dia. E então?     

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

MENTIRA!




Por Milton Nuevo de Campos Neto. 
 
Sobre a mentira, venho pensando em que medida ela é presente em nossas vidas, especialmente no que se refere ao mal-estar. Porque mentimos? Ou melhor, talvez a pergunta seria: o que queremos esconder?
Lembro-me de uma cena da clínica. Uma analisanda chega à sessão retomando nosso encontro anterior, o qual havia terminado quando ela chega a uma questão sobre um ex-namorado: afinal, diante de muitos encontros com ele após o fim do relacionamento e diante da alegria causada por tais encontros, quer estar novamente com ele? Na ocasião, a moça insistia, contraditoriamente, que não!
Comparece, então, para me dizer exatamente isso: “Eu pensei e, refletindo, cheguei à conclusão de que eu te disse uma mentira. Não que eu estivesse mentindo pra você, na verdade eu acho que mentia pra mim mesma. Então, te contei honestamente uma mentira!” Sem exageros, juro que foi o que ouvi. Disse isso para que eu soubesse que ela deseja retomar seu relacionamento.
E então, o que pensar? Lembro, também, de outra anedota: em uma conversa com a equipe com quem trabalho em São Bernardo, discutíamos alguns casos. Então, um colega levanta a questão sobre um paciente que nitidamente havia mentido sobre estar cumprindo os combinados para o tratamento, em outras palavras, estava mentindo sobre ter aderido ao tratamento. O que fez com que o colega chegasse à conclusão de que essa pessoa mentia pra ele. Ao passo que, imediatamente, uma outra colega, que também é dada a essa tal de psicanálise, retificou: “Não, ele mente para si mesmo”.
São muitos os exemplos onde a mentira nos visita na prática clínica, mas isso não deveria nos lançar à ilusão de que somos menos visitados pela verdade! “Sempre falo a verdade” disse Lacan, certa vez. E essas experiências (além, claro, das minhas próprias) com tais honestas mentiras, sempre me colocam a questão da verdade. Assim a histeria o fez com a psiquiatria no século XIX, assim continua fazendo até hoje com quem quer que se coloque a tratá-la.
Gostaria de falar um pouco sobre como ficamos cegos ao tentar separar a mentira da verdade. É preciso que procuremos pela verdade NA mentira, é a conclusão que tiro da cena do documentário de Slavoj Zizek “O Guia Pervertido do Cinema” – no qual ele nos guia por alguns filmes –, cena em que ele faz uma leitura do momento em que Morpheu oferece a Neo as duas pílulas no primeiro filme da trilogia Matrix (http://www.youtube.com/watch?v=Pmi-cFu5Plw). Para ser mais claro, podemos pensar na mentira como sendo o sintoma. Assim se apresenta o sintoma: como uma mentira. Mentira que o sujeito constrói para dizer uma verdade, mentira que se faz pela via da metáfora. Por isso, quando alguém conta uma mentira ao analista (não apenas a ele), o está fazendo de forma honesta. Mente, mas não percebe mentir – seria demais dizer que não sabe. E mente para si, ao fazê-lo, por que não é capaz de suportar a verdade, não é capaz de rememorar o trauma!
O curioso é que o que nos traumatiza não é algo desagradável que ocorreu conosco, mas algo mais agradável do que estamos dispostos a aceitar. Assim, usando um exemplo brutal, não faz sintoma alguém que sofreu um abuso sexual a menos que disso tenha obtido algum prazer.
Lembremos que o sintoma, em psicanálise, é sempre a expressão de um desejo. Verdade que precisa ser expressa virtualmente encoberta em uma mentira. E como responde o psicanalista à mentira do eu? Com a verdade do sujeito, está aí o caminho da interpretação.
A interpretação, em lacanês, não se trata de desvendar um sentido oculto, pré-estabelecido em símbolos que aparecem, como se já houvesse um significado por trás desse símbolo anteriormente à sua produção. Trata-se da enunciação da verdade do sujeito presente na articulação de suas cadeias significantes. Não cabe a um analista dizer qual é o sentido de um sintoma de um sujeito, cabe apenas enunciar, como um eco de quem fala, aquilo que verdadeiramente diz. É na intenção de desfazer um sentido construído e inquestionado no sintoma que o analista faz essas falas esquisitas e fantasmagóricas. Colocar o sujeito em frente ao abismo de seu sentido, a partir daí é o próprio sujeito quem deve escolher se atravessa o abismo e produz outra coisa que não mais precise daquele sentido sintomático que houvera construído.
O sujeito constrói seu sintoma para proteger-se do insuportável de seu desejo. A análise é capaz apenas de oferecer um encontro com aquilo que foi necessário esconder de mim mesmo.
Mas porque isso seria interessante? Ora, porque eu nunca fui capaz de viver sem isso que escondo de mim, chegando a criar esses castelos fantásticos para viver meu desejo. Sem isso que escondo, em suma, não existo e a questão é: preciso de uma metáfora para escrever minha marca real às experiências que pretendo viver?
Sem esse incômodo, não é aconselhável procurar uma análise...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Como posso mudar?"


O pedido “como posso mudar?” anima cotidianamente os consultórios psicológicos. Trata-se de uma pergunta recorrentemente dirigida a terapeutas que, exatamente por isso, veem-se às voltas com certa obrigação por elaborar respostas possíveis.

A “mudança de conduta” é lugar comum na história da Psicologia. Aliás, diga-se de passagem, este compromisso consta na agenda da Psicologia desde sua criação no início do século passado. Divido em duas categorias as respostas até então produzidas: as que se baseiam em uma abstração daquilo que atende pelo nome de “homem”, e as que se fundam em uma dura constatação daquilo que é o homem.

Fazendo-me claro, a primeira categoria tem seu logradouro nos laboratórios espalhados mundo afora, encastelados em suas agendas experimentais como ratos, coelhos e macacos, filiam-se a mais cara tradição moderna, preocupada, sobretudo, com a tríade: observação, previsão e controle. O caráter abstrato das enclosure´s theorys deve-se a ingenuidade no trato com a substância humana. Deve-se também ao divórcio com a constatação de Erich Auerbach, para quem a vida tende a misturar o que os laboratórios insistem separar.

A segunda categoria assume a ininteligibilidade do animal humano. Não se nota no rol de suas preocupações, e portanto de sua agenda de compromissos, a obsessão por diluir as contradições ao nível 0. O animal humano não é um ser de fácil apreensão. Basta se olhar no espelho para entender rapidamente o conceito contradição. Sim, somos seres irremediavelmente contraditórios. Queremos o que não podemos. Podemos o que detestamos. Detestamos o que nos dá prazer, etc etc etc. Mas como a conversa de hoje é sobre a reincidência de um evento clínico, voltemos à questão: como posso mudar?

A Psicologia se vê provocada diante de tal pedido. Faz-se necessária uma resposta. Para tanto, precisamos assumir inicialmente uma definição firme (não frouxa) de ser humano. Antes de pensar sobre “o que nos faz agir assim?” ( respostas a esta pergunta tendem ao pragmatismo preguiçoso) precisamos responder outra questão: “o que somos?”.

Essencialmente somos, todos nós, seres frágeis, inseguros, hesitantes, desconfiados, miseráveis e propensos a toda sorte de imperfeição moral. Qualquer plano terapêutico interventivo que não traga em seu bojo, como balizadores estas poucas e boas caracterizações do animal humano, incorrerá em abstração e portanto será inócuo.

Por mais que esta dura imagem nos ofenda, qualquer um que esteja em dia consigo sabe do que estou a falar. Parece que a impostura moderna por excelência – a fetichização antropocêntrica- chegou a seu ápice em tempos de busca por saúde e felicidade total pela via do aperfeiçoamento intermitente de todas as esferas da vida -pública e privada.

Assim, a orientação concreta para uma resposta possível deve necessariamente respeitar a inexorável impossibilidade de soluções totais para o problema humano. O homem sofre porque isso é intrínseco a sua condição. Convenceram-nos de que além de sermos obrigados também temos o direito à felicidade. Isso é que está errado. A direção da resposta psicológica deve 1) estar embebedada na inviabilidade da felicidade total; 2) respeitar o papel dos afetos que trazem dor. Concordo com Dostoievsky: o sofrimento e só o sofrimento nos humaniza. Intervenções psicológicas no sentido da diluição dos afetos “negativos” me soa diabólico.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Nota sobre Amores Impossíveis


Ahh, o amor! Todo amor é impossível ?

Amantes: sujeitos desejantes.

Aquele que AMA, ANTES demanda ser amado, e habita o reino da doce e amarga ilusão de que aquele alvo o complementa.

Freud : amor como função de idealização.
Lacan: amor como função de sublimação.

O amor se encaixa no reino do imaginário (do ideal de felicidade pessoal). 

Nasce no pensamento ocidental “uma idealização bifronte do amor”, diz Jurandir Freire Costa: idealizam-se o objeto amado e o sujeito do amor.
Há algo imperdível escrito por esse psicanalista pernambucano:

“Amor é uma crença emocional, e como toda crença pode ser mantida, alterada,

dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a

roda, o casamento.. tudo pode ser recriado se acharmos que assim deve ser. Ele nasceu

na era dos sentimentos, do gosto pela introspecção e por histórias sem fim de apostas

ganhas e perdidas. Hoje entramos na “era das sensações”, sem memória, sem história.

Nada nos parece mais bizarro e tedioso do que aventuras sem orgasmos e sofrimento sem

remédio a vista. Aprendemos a gozar com o fútil e passageiro e todo além do principio do

prazer é só um vício de linguagem ou da inércia dos costumes. Em suma, vivemos numa

moral dupla: de um lado, a sedução das sensações; de outro, a saudade dos sentimentos.

Queremos um amor imortal e com data de validade marcada: eis sua incontornável

antinomia e sua moderna vicissitude! "

Moral dupla que implica não escolher e portanto não se responsabilizar! É dúvida dos amantes impossiveis (ou impossiveis amantes).

Bauman ajuda com sua simplicidade : "o amor é o que é, e cabe aos sujeitos estarem conscientes do que assumem quando decidem amar".
 
Os neuróticos escolhem se amam algo da ordem do que é possível ou não (Sim, Paulo, a impossibilidade é tentadora).

Apostar no amor louco, dramático, heróico, doentio beira ao fracasso, contrário a possibilidade de um amor sensato, que não se torne a única razão do sujeito, mas que seja da altura da sua própria liberdade.

Amores Impossíveis




Ah, os amores impossíveis. Parece que a comunidade neurótica não consegue escapar desta tentação. Antes de me chamarem de pessimista ou desiludido, uma nota a meu favor: por amores impossíveis, estou chamando aquilo que está no âmbito na fixação no/do sintoma, não as belas narrativas shakespearianas, trágicas, por isso mesmo belas.

A neurose descrita por Freud e seus continuadores, refere-se, entre outras coisas, ao gosto pelo pecado da preguiça. Ao neurótico sobram dúvidas e faltam as certezas necessárias para o movimento. Isso é endêmico, constituinte e, portanto, uma daquelas coisas que se aprende, no máximo, a lidar.

A clínica nos mostra cotidianamente esta fixação. O amor impossível por um homem ou mulher prende a atenção neurótica. (lembre-se, neurose é a estrutura da dúvida, do horror às certezas) por uma razão econômica: é mais fácil estar às voltas com alguém que não lhe dá a mínima, que não lhe trata bem, que é indiferente a sua presença, que não corresponde às suas investidas, que é detestável. Quais são as chances de dar errado? Todas, já deu. Eis um posicionamento tipicamente neurótico: 1) colocar-se repetidas vezes em barcos furados; 2) culpa-los por seus furos.

A consciência neurótica é resistente à lógica, ao bom senso, à razão. Claro, como poderia ser diferente se mantemos relações incestuosas com nossos pecados, se amamos-lhes? Amor é um conceito caro à psicanálise, serviu de inspiração central na edificação teórica freudiana, que nos ofertou duas conotações distintas sobre o tema: amor como pathos e como ethos. A primeira modalidade (pathos) é matéria de nossa ruína certa: amamos nossos pecados. A segunda (ethos) é matéria de uma solução possível para os impasses inexoráveis do desejo. Trata-se de uma solução ética para nossas tendências. Por solução não entendam “o que preciso fazer para ser feliz”. Aliás, em matéria de felicidade, o compromisso neurótico com pathos, mostra-se mais favorável. Em ethos, a felicidade é incerta –para não dizer improvável- mas o tédio também o é.

Sobre a felicidade em Freud, vale lembrar as palavras do sábio mestre em "Estudos de Histeria" de 1896. Neste texto, encontramos uma frase que revela muito da sensibilidade freudiana sobre as possibilidades humanas. Freud proclama que o intento de sua prática não seria outro senão transformar a miséria neurótica em infelicidade humana ordinária.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sobre vício e outras drogas

“ A vida nos ensina que é preciso coragem para suportar o desespero, e também que o desespero as vezes pode dar coragem” André Comte-Sponville.

Fato curioso esse do vício de alguns.
Freud ja dizia da impossibilidade das sociedades humanas viverem sem mecanismos de escape para alterar a consciência frente ao intrínseco mal estar em que somos acometidos. Enfrentar a realidade o tempo todo sem nenhum mecanismo de fuga? Impossível. Mas mesmo que nossa cultura viabilize prazeres a qualquer custo e ideais ligados á satisfação e felicidade (muitos mecanismos de fuga podem ser comprados), é impossível viver sem dor.

Dor de amor, de perder alguém, de apostar em algo que não virou, de injustiça social, dor de indignação: basta estar vivo. Muitas pessoas enfrentam, da forma que lhe forem alcançáveis, normalmente aos trancos, a falta de garantia incômoda de seguir recomeçando, construindo, tropeçando. Outras não conseguem sem a condição de alterar seu estado: exageram em álcool, drogas, comida, estética, jogos, esporte, entre outros- Entre muitos outros que entram no exagerado hábito da repetição que gera prejuízo, que numa linha curta de tempo, sem querer transforma o prazer da experiência que o escape comedido proporciona, em uma necessidade de estar com a percepção alterada o tempo todo. É nessa que o sujeito é engolido pelo vício que não mede limite, que ultrapassa o possível, que beira a morte. Do sedutor estado que o escape proporciona, vive-se então só nele, anulando o sujeito que, amortecido, não reage, não resolve, não deseja.

Vale a pena parar e pensar do que se trata esse apego desesperado que muitas vezes conduz ao fracasso.

Na clínica psicanalítica, a estratégia da proibição é a menos eficiente. O espaço traz a possibilidade do retorno do sujeito, aquele que foi engolido, que foi retirado de laços sociais, das representações, de compromissos, porque entrou num estado de onipotência, de alienação, mas quem é que vive nisso por muito tempo? A psicanálise aposta na responsabilidade de escolhas. No lidar com faltas. Há de se descobrir o porquê do insuportável de suportar o real, da necessidade urgente que a sensação de prazer pede, pedido feito por uma ânsia de entrar no estado em que não se pensa, não sente falta, que disfarça a dor, como se assim fosse possível matar a angústia, que claro, volta de uma forma avassaladora, sustentando cada vez mais o vício, já que não se entra em contato com a causa. Cada vício diz respeito a uma angústia mal dita.

Significar a vida é uma tarefa árdua. Ainda mais porque é preciso resignifica-la a todo instante. A quem é que não falta algo? E o que fazer com isso? Não se trata de deixar de ter prazer, mas de desfrutá-lo de uma forma melhor. Um prazer comedido, dominado, que não te faz escravo de um objeto de satisfação. É necessário cultivar prazeres de liberdade, para não se aprisionar em sua própria fraqueza. Sim, vivemos tratando de tornar a realidade mais fácil, suportável, a nosso favor. Então é preciso respeitar os limites-  nada mais sensato do que saber de si para poder ser livre.

Livia Lemos.

sábado, 14 de julho de 2012

MATRIX E A SOCIEDADE DE CONTROLE

Gostaria de fazer uma leitura de alguns pontos cruciais (para mim) da trilogia “Matrix”. A ideia me ocorreu por se tratar de uma expressão muito forte da minha geração e por apresentar elementos ilustrativos bastante úteis para uma discussão sobre a sociedade de controle proposta por Deleuze. Pretendo, para isso, passar pela sociedade disciplinar, pelo biopoder, a biopolítica e a política do sintoma.

Não pretendo me aprofundar em explicações teóricas complexas, mas apenas apresentar alguns pontos para uma leitura da trilogia Matrix. Espero que o texto seja divertido.
Foucault se preocupou, em sua ultima fase, com a temática da vida e, com isso, chegou a uma questão importantíssima: o governo. Do que se trata o governo e o que faz dele algo tão importante? O governo é uma forma específica de dar conta de um problema muito específico que é a população. A tentativa é de dar conta do controle, do exercício de poder sobre uma população. E a forma mais eficaz, aparentemente, é por meio do direito. O que opera na mudança do modelo social presente na era medieval para a moderna, seria uma alteração no entendimento do ato infracional: se na primeira o critério para a caracterização de um ato infracional era a Lei Divina, ou a Lei Monárquica, na segunda a infração se daria contra uma nova lei. Não havendo mais a necessidade de se reportar ao divino para a regulação social, só se poderia cometer uma infração contra o próprio pacto social.

Isso gera, ao mesmo tempo, uma preocupação com os aspectos subjetivos do infrator (quanto à sua motivação) e um interesse na possibilidade de profilaxia do crime. Surge então o dispositivo mais importante de nossa sociedade disciplinar: a polícia. Sem me alongar na explicação e deixando buracos em aberto pelo caminho, passemos para o novo objeto de disciplinarização, ou seja, o corpo. É no corpo que se encerra a vida, nesse entendimento, e deve ser esse mesmo o objeto sob o qual incidirá o poder. Foucault chega ao Biopoder. Poder que passa a ser exercido de modo oculto quando a instituição jurídica/prisional, oculta a verticalidade de seu poder na horizontalidade das estratégias de controle que passa a criar. Cria instituições paralelas que devem regular a vida: além do presídio, a escola, o hospital, a clínica, entre outras. Para que um sujeito possa pertencer à sociedade, deve estar vinculado a um (ou vários) desses domínios.

Começa a saga da matrix. O modo de gerir grande número de corpos ao mesmo tempo é o que designa a Biopolítica enquanto estratégia. Biopoder exercido sobre a população. Assim o governo não mais precisa excluir corpos, ele pode incluí-los em novos domínios. “Excluir para dentro” regulando sua produção sem que pare de produzir. Algo como: você é louco então não poder participar de determinados domínios, deve ficar nesse do manicômio (ou dos CAPS?); você que é criança, vá para a escola; você que é doente, para o hospital; você que é “normal”, vá trabalhar.
Deleuze, um pouco mais adiante, vai dizer que em nossa sociedade contemporânea (pós-moderna) não há mais necessidade de disciplinarização dos corpos, eles já estão sob controle porque nasceram já em um mundo disciplinado. Isso faz com que os próprios corpos sejam agentes de controle em potencial. O poder já se exerce de forma imanente nos sujeitos.

Difícil? Mais ou menos... Pense no primeiro filme da trilogia e considere os agentes, aqueles homens maus vestidos de preto que podem tomar emprestado o corpo de qualquer um. Essa é uma das primeiras lições de Morpheus a Neo em seu treinamento: são todos o inimigo!

Assim vivemos. Somos criados em um mundo onde determinadas formas de linguagem e interação produzem nossa subjetividade. Muita viagem? Então faça um experimento: converse por uma hora com uma criança de 11 anos e peça pra ela lhe contar sobre o que gosta de fazer, como é seu cotidiano, etc... e verá um verdadeiro ciborgue! Alguém parte homem, parte máquina. Não raro ele irá sacar da mochila o tablete, ou Ipod, smartphone, para continuar a conversa lhe mostrando a si mesmo no facebook, seus arquivos, seus amigos. Se prestar bem atenção verá que é mesmo quase como se a mente dele fosse estendida com auxílio de HD externo! O que? Não é só o garoto de 11 anos que faz isso? Você com 40 também? Bem...

Quais seriam os programas que rodam nessa nova consciência? Deleuze e Guattari falam sobre os microfascismos. Não são vistas revoluções por que a maneira de pensar do revolucionário está contaminada com o vírus Smith!

Continuando a saga, há, claro, Neo. A questão que se coloca é como foi possível que Neo chegasse a destruir o vírus Smith. Aqui, inclusive devemos fazer uma distinção importante (sinto como se desse pra escrever por toda a vida caso separemos todos os elementos dessa trilogia): o vírus Smith não é a Matrix. Smith é, no entanto, uma de suas crias mais puras. Acredito que a esse ponto já esteja claro que eu estou fazendo uma analogia da Matrix com uma forma de governo biopolítica. Mas caso não esteja claro, a Matrix mantém corpos produzidos por reprodução in vitro, que passam a viver em tonéis, submersos no que poderíamos chamar de fluido puro da pulsão, gerando energia por meio de sua libido. É isso que a Matrix controla: o desejo. É por isso que ela precisa de corpos, porque máquinas não produzem desejo e não há essa energia que as alimenta (mesmo que depois de transformada em energia elétrica ou BTUs) nelas mesmas. Precisam dos corpos humanos.

É aqui que se faz precisa a forma pela qual a biopolítica é, ao mesmo tempo, modo de controle e possibilidade de resistência. Na medida em que as máquinas precisam de nós e que está pronto o jogo onde viramos uma boa moeda de troca! Nossas ações estão em alta na bolsa! É por precisar de nós que a sociedade de controle pode ser tomada (seria a tentativa de Foucault e Deleuze para oferecer saída de seu pessimismo apocalíptico).

É exatamente com isso que operam aqueles poucos humanos que escaparam da Matrix. No entanto, esses poucos, não geram mais energia para as máquinas e podem ser caçados por elas. Mas se todos acordassem, no mínimo as máquinas precisariam negociar. Estamos em hollywood e é claro que existe um herói salvador que por meio de uma lógica individualista vai salvar aos outros, substituindo a potência de todo um coletivo humano por um único exemplar fálico, mas vamos usar Neo como metáfora só para não perder a graça.

Qual foi o processo de escape operado por Neo? Daqui pra frente pretendo ser supersônico perdendo detalhes, pois não tenho muitas linhas e você não tem muito tempo. Neo teve dois encontros importantes para sua libertação: o oráculo e o arquiteto. Como se já não bastasse a referência a Foucault, Deleuze e Guattari, vamos trazer Lacan. Poderíamos olhar para o oráculo e o arquiteto como personificação de dois discursos, pela ordem: o discurso do analista e o da universidade. O discurso da universidade operado pelo arquiteto é aquele que agindo do seu saber sobre as probabilidades de ação de Neo, o coloca no lugar de objeto de sua suprema inteligência que pode predizer tudo aquilo que Neo fará. Com isso oculta sob si um lugar de mestre que produz em Neo um sujeito, assujeitado.

Mas Neo não cai na roubada. Escapa dela subvertendo todas as regras do jogo. Eu também faria isso se soubesse voar, parar balas com a mente, etc. Mas ele não aprendeu tudo isso do nada, precisou antes passar pelo oráculo. Antes do oráculo, Neo era só um corpo vulnerável ao vírus Smith. E a senhora gentil e enigmática só se colocou em frente a Neo como o objeto de seu desejo, permitindo a transferência que fazia Neo tê-la como o Outro do saber. Velando um saber, a senhorinha fez com que Neo pudesse produzir um significante mestre... One (o escolhido). Não respondendo do lugar do Outro que diria a ele que é o escolhido, surpreendeu-lhe respondendo justamente o contrário. Neo escolhe atravessar o sintoma e se responsabilizar pela falta. “Não sou o escolhido, mas vou salvar Morpheus mesmo assim”.

No meio do caminho ele descobre novas formas de agir, agora que não está mais preocupado em ser o escolhido, pode operar de fora do sintoma que o afirma escolhido pela falha disso (ao molde da interpretação dos sonhos) e, na briga com o agente Smith no metro ele encontra um novo significante: Neo. A partir desse novo objeto que é ele próprio, pode voar, parar balas e o que mais precisar.

Pode então enfrentar o arquiteto e exercer sua liberdade pela recusa do destino. Não é por poder fazer o que quiser dentro da Matrix que Neo é livre, mas por não precisar fazer o que Matrix determina que ele faça.

Assim passa a poder fazer façanhas mesmo fora da Matrix e vai até a cidade das máquinas. A essa altura, Matrix produziu seu próprio fim: o vírus Smith. Tal fim que é justamente a torção do discurso do mestre, fazendo com que o objeto não caia, mas permaneça operando o gozo.

O trato que Neo faz com a Matrix é: você perde o jogo se permitir que Smith tome tudo, eu perco todas as vidas inseridas na Matrix se isso acontecer, então a proposta é que eu me conecte a partir de você e, assim, quando Smith me contaminar, você poder acessá-lo por meio de meus códigos e impedi-lo. A única condição é que os humanos tenham outra chance.

Essa seria uma forma viável de biopolítica? Seria possível alcançar, por meio de uma política do sintoma (sinthome), a subversão do discurso do capital?

Autor do texto:
Milton Nuevo de Campos Neto (miltonnuevo.psi@gmail.com)

Da não adesão ao tratamento à não adesão do inconsciente.

No dia 23/06 do ano do fim do mundo, a Folha de São Paulo divulgou a grata notícia cujo título merece referência direta: “Médicos devem saber como seus pacientes pensam” – dizem professores da Harvard. Em primeira instância, chama a atenção o peso que recai em nossos ombros pensar em colocar divergências aos professores da Harvard, imaginada imaginariamente – felicitações a Lacan – como um Olimpo da ciência.

A matéria trata do lançamento de um livro chamado “Your Medical Mind” dos médicos americanos Jerome Groopman e Pamela Hartzband, cujo tema aborda a não adesão de pacientes a determinados medicamentos ou tratamentos. Dessa forma o casal propõe que se reconheçam os perfis de mentalidade dos pacientes, para melhorar sua comunicação – chegam, então, às categorias de pacientes: Naturalista, Tecnológico, Desconfiado, Confiante, Minimalista e Maximalista. Deixando de lado, pelo momento, o mal-entendido quando pensamos na questão da comunicação, o mais importante nos parece ser a tentativa de classificação para os perfis de pacientes. Quase como uma nova psicopatologia imediatista que pretende determinar as maneiras errantes do paciente na sua relação com o médico.

Quase, doutores! Chegaram à ideia de que existe um problema que se refere à relação do paciente com vocês, mas infelizmente essa ideia já foi discutida há mais ou menos... vejamos... 100 anos atrás.

Deixemos a crítica aos leitores, bem como a introdução de um termo tão caro à psicanálise quanto a precisão o é para um cirurgião. Freud, em 1912, fez sua “Recomendação aos médicos que exercem a psicanálise”. Nesta, ele retoma uma ideia simples, no entanto, não tão óbvia. Nas palavras de Lacan, enquanto conversava com alguns médicos:

“Quando o doente é encaminhado ao médico, ou quando ele o aborda, não digam que pura e simplesmente ele espera do médico a cura. Ele desafia o médico a tirá-lo de sua condição de doente, coisa bem diferente, pois isso pode implicar que ele está atraído pela idéia de conservá-la. Às vezes, ele nos procura para pedir sua autenticação de doente, em muitos outros casos ele vem, de modo manifesto, pedir que o preserve em sua doença, tratando-a da maneira para ele mais conveniente, que lhe permita continuar sendo um doente bem instalado em sua doença.”

Antes de entrar nos pormenores do que isso implica, cabe uma ressalva. Dando crédito ao esforço feito na pesquisa citada, fica a pergunta: Doutores, vocês definiram o tipo do paciente que está na sua frente, agora pretendem operar sobre isso?... isso?... operar sobre o isso ... Fica a dica.

Não nos cabe especular a motivação que levou os pesquisadores ao título do livro, contudo, nos chama muita atenção a categorização de como o titulo se impõe: Médicos DEVEM saber o que seus pacientes pensam. Vocês já experimentaram perguntar? Ah claro! Isso implicaria assumir que vocês não sabem. E de fato, não sabemos nada sobre o outro, a não ser que ele fale. Se ele fala, no entanto, pode mentir! Grave problema quando estamos tratando da verdade. Aliás, de qual verdade estávamos falando mesmo? A verdade de que a medicina DEVE saber, ao contrário do paciente que não é esclarecido quanto ao seu mal-estar. Perigoso caminho. A verdade deve advir, mas não do médico.
Se criarmos esses horóscopos que tem tanto desejo de enquadrar o paciente em uma verdade, perderemos todo o encanto de descobrir a verdade à qual o paciente pode chegar em uma análise. Já não bastava toda a sessão de transtornos de personalidade no CID 10? Precisamos de mais horóscopos alienantes?

Bem, voltando à questão, a recomendação de Freud aos médicos poderia ser resumida a uma única coisa, algo como: estejam atentos à transferência!

Claro, não queremos ser spoilers, portanto, nos cabe contar do que se trata a transferência e de como se opera sobre ela, afinal vocês chegaram tão perto que também queremos ver como a trama termina. Vejamos o que vocês conseguem enquanto continuam a ignorar Freud e brincar de astrólogos.

Terminamos essa breve brincadeira, e como toda boa brincadeira tem um fundo de VERDADE... (mas aí já são foucaultros quinhentos) com a humilde contribuição de um casal que não sabe nada da vida a um casal do (não) suposto Olimpo do saber. (ah, essa vai para os psicanalistas de plantão).

Autores do texto:
Milton Nuevo de Campos Neto (miltonnuevo.psi@gmail.com)
Raonna Caroline Ronchi Martins (raonnacrm@gmail.com)




quarta-feira, 20 de junho de 2012

Virtualidade dos tempos atuais

O dia cheio transbordou em compromissos, os olhos pesaram- o dia acabou e o trabalho consumiu todas as horas.

O dia passou sem muita outra percepção além das milhões de notícias da internet rodadas ao mesmo tempo na tela do computador, das planilhas obrigatórias e infindáveis do trabalho que quase não permitiram o almoço, das conversas virtuais e rápidas feitas com “amigos”, vistos em imagens do site de relacionamento, que mostraram um bem-estar registrado com urgência. A televisão no fim do dia serviu como anestésico.

Os dias passavam assim. O tempo corria sem muito se ver. O que era visto, era via redes virtuais.

Marca da sociedade moderna e globalizada, estar conectado 24 horas, ligado a tudo, diz respeito a virtualidade dos tempos atuais que tem tomado mais espaço que encontros reais- tem-se estado acompanhado dessa forma. Afinal, para quê se dispor de encontros que toma tempo (tempo é dinheiro!) e ter a possibilidade de conhecer alguém de perto se em sites de relacionamento catálogos de pessoas com suas características mais exuberantes podem ser analisadas e ainda melhor, descartadas? Diz respeito a relações frágeis e flexíveis, sem vínculo, que seguem a lógica do consumismo: escolhem-se pessoas ali, como um produto, que pode ser consumido e descartado. E amanha é dia de trabalho, alguns amigos novos adicionados, mas não que eu tenha visto de perto, nem mesmo os encontrei. O dia passou de novo sem que eu tivesse encontros. E quanto aquele namoro curto e de difícil diálogo, deletei, sem mesmo conversar sobre as indisposições e falhas que ele me trazia. Não tinha tempo pra pensar, atrapalhava meu dia cheio.

Bauman, em “Amor líquido” destaca a fragilidade dos vínculos humanos atuais. Fala sobre os desejos conflitantes de apertar e ao mesmo tempo manter os laços frouxos, da dificuldade de manter compromissos- condição que pode trazer encargos e tensões que não se esta apto nem disposto a suportar e que podem limitar a liberdade que tanto as pessoas se acham merecedoras. Conta que no liquido cenário da vida moderna, o sonho e o pesadelo de relacionar-se são sentidos da ambivalência e que o relacionamento de bolso, aquele pode se dispor quando necessário, tem sido preferência. Põe em questão se a sociedade moderna anseia pela procura de relacionamentos duradouros ou se o desejo é voltado para relações frouxas e leves para que possam ser postas de lado a qualquer momento.
Livro dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto e separado, no líquido mundo moderno em que a procura vai em direção ao encontro de alguém ideal. Lembra que estar conectado é menos custoso do que estar engajado e menos produtivo em termos da construção e manutenção de vínculos e compara a velocidade com que uma pessoa é trocada por outra; relações começam e terminam na mesma intensidade, numa frenética substituição, já que ‘liberdade’ é opção mais fácil frente a possibilidade de se vincular a alguém.

E nesses tempos de imediatismos e necessidade de garantia, sobra tempo para o amor? Para encontros efetivos? Tempos de discursos da lógica de mercado que vendem objetos oferecidos para saciedade, em que os laços sociais têm sido mediados quase que prioritariamente pela mídia virtual, sobra o quê?

Transborda narcisismo nessa nossa cultura de imagem, nessa busca por dinheiro e status social e só. Disse Antonio Candido “ o capitalismo é o senhor do tempo. Mas tempo não é dinheiro, isso é uma brutalidade. Tempo é o tecido de nossas vidas”.
O homem perde tempo.

Livia Lemos.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Roupa Suja



Gosto muito de provérbios populares, especialmente pelos diferentes sentidos que podemos encontrar em seus enunciados. O título deste texto sugere o clássico roupa suja se lava em casa. Pois bem, é deste que vou falar.

Em geral quando usamos este provérbio, queremos não tornar públicas certas rusgas e ressentimentos, que tem uma origem sabidamente doméstica, familiar. Problema: a rusga ou o ressentimento presentes em mim não irá simplesmente desaparecer sem que eu faça algo. Normalmente, as famílias não estão preparadas para servir de espaços de elaboração de traumas, feridas ou sofrimentos psíquicos, portanto caberá a mim elaborar (encontrar resoluções, ou outros destinos para meus impasses) nas relações que eu estabeleço mundo a fora.

Assim, terei a oportunidade de elaborar meus traumas na relação conjugal, na relação profissional, com os amigos ou mesmo com estranhos. Contudo, há uma repetição. Em todas estas relações, há a enunciação roupa suja se lava em casa. Ou seja, a mesma tentativa de não tornar publico aquilo que, em geral, arranha uma certa autoimagem que gostaríamos de preservar.

Pois bem, exatamente por ser uma dupla constante, tanto o desfecho quanto o destino que as rusgas sempre encontram na experiência privativa o seu cárcere, ou a sua verdadeira casa. Quando dizemos que roupa suja se lava em casa, o que está sendo dito, na verdade, é que aquilo que não tem espaço em uma relação deve ser reprimido naquele que ousa torná-la pública.

Na clínica psicológica (independente da orientação) o que vemos é um empobrecimento de algo precioso: a qualidade da experiência. Quando não há convite (abertura) para o compartilhamento daquilo que nos intoxica, ocorre o que chamamos de formação reativa. Ou seja, criamos um destino outro para o que, originalmente, deveria ser dirigido para alguém. Assim, chegamos à bela frase de Lacan o neurótico é uma palavra encarnada. Isso porque a experiência nos mostra a escassez de casas predispostas a lavar sua própria roupa.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

“ Quanto ao amor, nada mais discordante. Basta que se esteja nele, basta amar, para ser presa dessa hiância, dessa discórdia” Lacan.

Pode parecer insuportável tolerar a incerteza que um amor traz. Não se trata jamais de completude, mas de ser capaz de suportar a duvida. Aceitar o amor tal como é, em sua estranha dor e alegria, na inquietação que enlouquece e cura, aprendendo com o outro, ensinando.

Essa crença tem perdido a força frente a uma cultura de imediatismo e relações descartáveis em que o amor é posto de lado. Mas amar é uma fé- é preciso acreditar para que ele esteja, e depois disso, saber estar. É ter que aceitar um outro e sua estranheza, acreditar sem exigência de certeza, tampouco garantia de validade. É um acordo de construção. Quando se fala em papéis de homem e mulher e se fala de amor, ganha quem quis saber do que se trata pra não perder tempo. É o homem a cabeça de uma relação. E a mulher o pescoço. Cabe a mulher entender das dores e perdas de cabeça e conduzir. Homens procuram certezas e se enroscam na incerteza que é uma mulher. E a mulher é o amor, capaz de entender do enrosco. Mas trata-se de uma aposta feita por uma coragem nem um pouco egoísta de deixar-se estar. Aí mesmo, nessa hiância, nessa discórdia. Do outro e suas dissonâncias. Obedecer ao amor, sem nele se anular, entendendo que haverá faltas mesmo diante de uma parceria respeitosa, habitadas uma pela outra, sustentadas uma pela outra. Nossos desejos são por vezes egoístas. E o egoísmo é uma força de renuncia diante da fragilidade de ser dois, limita-se a si mesmo, escolhe retirar-se a se dividir, não ter a conquistar, é a escolha frente a ameaça da possibilidade do difícil da entrega. É o contraponto que dói em cada um e que uns preferem não se haver. Como se fosse possível.

Transformar o amor louco em sensato sai fora da repetição covarde da desistência. Nada mais difícil do que saber aceitar, contrário a facilidade de uma paixão, nada mais difícil do que constituir um casal e um espaço de verdade, de confiança, de intimidade, de humor, de amor. Amar é saber recomeçar. É reinvenção. É humildade que faz pulsar um sentimento nobre de que vida partilhada, é vida ganha.

Livia Lemos.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Clinica sobre Transferencia

Há uma regra importante para o início de uma análise: deve ser desejo do analisante operar sobre si, a partir da associação livre, e desejo do analista estar disponível para a escuta, a partir da atenção flutuante. E essa regra segue ríspida, mesmo que no começo de toda disposição do contar, a associação não seja tão livre como se possa imaginar- há tropeços no discurso, falhas de memória, faltas, atrasos, afonia, porque esse lugar que se presta o analisando quando acha-se pronto a falar de si, resiste a entrega, racionaliza idéias, diz como se escutasse o próprio dizer.

Há de haver um tempo em que toda essa resistência que trava o discurso, que trava a palavra de revelação, vai dando lugar a palavras que dizem sobre sintomas que carregam verdades, transformando a relação do sujeito com sua própria escuta. Em que o “estar em análise” faz com que o analista exerça sua função de encorajar o analisando a apostar em relações de sentido, tudo para que ele se represente como sujeito desejante. O manejo da transferência (por aquele que escuta) determina um lugar em que volta (para aquele que fala) outro sentido de seu discurso.

A transferência então se estabelece quando da sustentação de um diálogo do analisando, surge o sujeito que deseja e institui o analista no lugar da causa de seu sintoma. E no falar sobre o mal estar, quanto mais o sujeito explica a sua causa, mais aquele que escuta torna-se o Outro do sintoma, então instalado na posição de sujeito suposto saber. O psicanalista assume um lugar de saber, lugar que conseguirá a atualização da presença do sujeito. O estabelecimento da transferência se faz necessário para a intervenção do analista e seu trabalho consiste no seu manejo: Na psicanálise, o sujeito ganha saber pela suposição de um saber de um outro que tão pouco sabe. Ganha saber transferindo afeto para a pessoa do analista, afeto referente aos modelos infantis que se repetem quando o sujeito se presentifica. E então nessa posição, com a produção de significações, havendo-se com o verdadeiro, se dirige a verdade.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Vampire Diaries


Estou assistindo Vampire Diaries ("Os diários do Vampiro"). A princípio estimulado pelo convite de alguém muito especial mas depois, confesso, por livre e espontânea vontade.

Para quem não sabe, trata-se de um seriado (atualmente na terceira temporada) cuja história versa sobre os irmãos Salvatore, Stefan e Damon, transformados em vampiro por uma mesma mulher, por quem ambos eram perdidamente apaixonados. Não pretendo aqui entrar em detalhes da trama. Para quem puder dispor de algumas horinhas no final do dia (de preferência na companhia de alguém especial) segue a sugestão.

O que me interessa aqui é outra coisa. Para quem assiste o seriado e tem mais de 15 anos, não tarda a percepção, por motivos óbvios, que a trama é destinada à adolescentes. E como dizia Donald Winnicott “o adolescente é o barômetro da sociedade”. Assim, analisar aquilo que tem constituído o imaginário de nossos jovens mostra-se bastante revelador, no que diz respeito a diagnóstico de épocas. Para tal finalidade, nada mais apropriado que a observância das narrativas ficcionais, pois estas ditam e são ditadas por aspectos que nos passam despercebidos mas que, no fundo, animam nossa vida alojando-se em nosso foro íntimo –principal acervo de consulta na hora de decisões difíceis, para nós, os modernos.

O vampiro que a ficção criou nesta primeira década de século 21 é profundamente distinto daqueles que encontram fama da metade para o fim do século passado. Fundamentalmente, isso revela uma mudança significante na subjetividade das épocas. Em essência, duas diferenças marcantes dos nossos novos vampiros –e aqui me detenho àqueles de Vampire Diaries- está nos seus conflitos e na significação do “ser vampiro”.

Ok, ser vampiro nunca foi algo fácil. Resistir à tentação do desejo irresistível de vampirizar o outro sempre foi um problema. Contudo, um dos protagonistas do seriado (Stefan, o herói) deseja ardentemente adquirir um certo autocontrole sobre sua compulsão por vampirizar, para conseguir ter uma vida normal, ao lado de uma mulher com quem deseja construir uma vida. Em suma, é este o conflito que ele nos apresenta. O ato heroico seria controlar sua loucura para ter uma vida normal.

Alguns dos vampiros se relacionam com pessoas normais (não vampiras), e com eles se envolvem sentimentalmente. Um destes casos é Jeremy, adolescente em constante crise existencial que tem a oportunidade de se transformar quando começa a se relacionar com uma vampira. A questão é: por que um adolescente se transformaria em vampiro? Se já sofro barbaridade e a certeza da morte serve como consolo, por que desejaria me transformar em um ser que, em teoria, não morre nunca?

Aqui encontramos uma das respostas veiculadas sobre a significação do "ser vampiro" nesta narrativa e portanto de nossa época. A resposta é simples. Quando nos tornamos vampiros, continuamos a experimentar sentimentos humanos, mas com um benefício interessantíssimo: só se quisermos. Ou seja, se estou me transformando num monstro devorante, amoral e inescrupuloso e minha eternidade está começando a ficar entediante, posso voltar a sentir coisa de humanos, só para variar um pouco.

Resumo da ópera: o adolescente sendo o barômetro da sociedade nos faz tomar a recém hipertrofia do gênero vampiresco como amostra do sintoma social contemporâneo. Não simpatizamos mais com um certo transbordamento de nosso lado b, de nossa identidade secreta. Ao invés disso, preferimos encontrar o desafio no autocontrole, para conseguir uma vida normal. Não surpreende desejarmos (imaginariamente) um botão de liga/desliga para voltar a experimentar a imprevisibilidade sentimental humana, mas só por diversão, para variar. Em tempos de progresso do fenômeno da drogadição (não como meio para uma experiência transcendental, mas como finalidade em si mesma) e de normativismo de condutas, não espanta a estética do morto-vivo estar tão em voga nos dias de hoje.