quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eterno Começo



Diagnóstico: fascinado por começos, alérgico a meios, constantemente disposto a recomeçar de novo, preferivelmente em meio a gargalhadas devidamente documentadas no Facebook, eis o homem contemporâneo.

Pense em você leitor(a). E aquele plano que você fez para você nos últimos suspiros do ano passado? E aquela história de “um novo eu” para o “novo ano”? Não precisa ir longe: certamente hoje você teve uma série de ideias nas últimas duas horas para “um novo você”.

Seguramente que a viabilidade destes novos planos exigiriam o sacrifício daqueles que
você se esforça diariamente para tocar. Mas, diria você “Danem-se estes planos. Pensando bem eu nunca gostei muito deles” ou “Eles não estão me fazendo bem, não estou feliz, só estou tendo trabalho”.

A mecânica (sim, mecânica!) contemporânea é sinistra e banal. Somos fascinados pela operação reiniciar. O coro dos fanáticos pela felicidade total hipnotiza os carentes de sentido. Olha-se para os lados e logo se vê alguém se reinventando, sempre devidamente eufórico. Você, tentando se haver com as intempéries geradas por aquele antigo plano que resolveu levar à cabo, está facilmente suscetível a calefação.

Não surpreende a alergia aos meios. Estar simplesmente em meio a uma escolha (nem pateticamente deslumbrado, tampouco amargurado e fissurado pelo fim da agonia) pressupõe um gosto pelo hábito, termo antigo, em franco desuso em tempos de reinvenção diária de si mesmo.

Não tenho dúvidas que Zygmunt Bauman é o pensador do nosso século (ao menos do seu início). A ambivalência do pós-moderno é, segundo o polonês, sinistra e banal: ele quer, o tempo todo, coisas que não tem, mas estas colocam-lhe um preço que ele não pode pagar. O que ele quer? Tudo o que aplaque o mal-estar líquido do qual nunca escapa.

Oras, mas para isso ele precisaria passar por uma transformação retroativa do seu estado: teria que fazer o curso líquido --> sólido. Na mecânica da operação “reiniciar”, à qual me referia, a tendência do líquido é “encontrar sua paz”, saindo do tédio que é a situação líquida ao vaporizar-se.

Há retorno para esta sinistra e banal dinâmica termostática que vive a me engolir, trazendo-me este terrível sofrimento vazio? Sim. A que preço? Quanto você pode pagar?

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