Sabe quando você vai assistir uma daquelas comédias românticas que trazem ao contemporâneo o conto de fadas da Bela Adormecida ou da Branca de Neve versão fast food? Após gargalhadas, choros e torcida chega o tão esperado final feliz. Mas não tarda a vir o pensamento “Legal, mas como será que o casal apaixonado irá viver agora...?”
O excelente “Um Divã Para Dois” de David Frankel, em cartaz nos cinemas, inverte a chave: o ponto de partida é o inferno matrimonial 30 anos após a conquista. Filme sério (embora cômico) sobre relacionamentos. Kay (Meryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones) formam um casal de terceira idade. Há tempos a relação estacionou e eles se adaptaram a rotina que fez seu papel de amenizar a evidente degeneração da relação. Bem acomodados aos papeis que exercem, tentaram se convencer (cada um ao seu modo) de que não havia mais nada que a vida pudesse-lhes propiciar. Kay não aguenta e procura por uma terapia intensiva para o casal, arrastando consigo o rabugento (mas engraçadíssimo) Arnold.
Alguns apontamento suscitados pelo filme:
1)O filme confirma o que a clínica nos atesta: nada traz tanta miséria subjetiva quanto a completa ignorância/indiferença às nossas fantasias. 2) A antiga associação entre durabilidade e qualidade de relação é absolutamente enganosa. Não basta “trabalhar” para manter/preservar a relação. Há de se “trabalhar” para qualifica-la. 3) O casamento é uma instituição falida? Talvez, mas em termos. Não estou convencido da superioridade das opções que nossa cultura criou para viver o amor a dois. 4) Nossos velhos se convenceram que idade avançada significa fim da vida sexual.
Comentários:
1)O ápice conjugal ocorre no momento em que ambos conseguem vivenciar (a dois) suas fantasias. 2) O desenrolar da trama seria improvável para alguém identificado com as soluções que nossa cultura oferece para as inexoráveis turbulências conjugais. Os servos do “prazer imediato e total custe o que custar” não simpatizariam com a necessária abdicação que qualquer experiência qualificada traz como exigência. 3) Ainda estamos aprendendo a dosar (temperar) o paradoxo fundamental trazido pela Modernidade entre segurança e liberdade. A grande maioria das patologias psíquicas estão relacionadas a excessos ou inibições de ambas. 4) O filme trabalha (sutilmente) uma questão de fundamental importância: menopausa é uma questão que deve ser levada a sério, seja por quem vive, seja por quem trata. Nossa cultura desprezou o velho de tal forma, que fez-se um perigoso curto-circuito associativo: fim da possibilidade reprodutiva representa o fim da vida sexual.
Por fim, quando o corpo acorda de seu sono profundo e problematiza nossas vidas, com suas incessantes e escandalosas demandas, temos duas formas de enfrentar a situação: saber do desejo ou aderir aos modismos oferecidos pelo mercado de soluções baratas. Kay optou pela primeira. Para os críticos da instituição casamento, uma resposta.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Um Divã Para Dois
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário