Desejo, logo sofro. Talvez esta seja a máxima psicanalítica por excelência. Se a Psicanálise tem algo de útil a oferecer (e seguramente tem), certamente é sobre esse negócio chamado desejo. Como se constrói o desejo? Há lógica? Sim, mas vamos com calma.
Desejo e vontade não são sinônimos. Os desejos estão na categoria das paixões, matéria constituinte da maldita condição com a qual devemos aprender a lidar. No universo heterossexual, o desencontro entre homens e mulheres é certeiro. Já o encontro -que seria o desejável- é matéria constituinte dos momentos mágicos onde a vida deixa sua marcha ordinária.
O itinerário habitual começa no jogo das mútuas idealizações (se um não quer, dois não brigam). Neste ponto, homens e mulheres saciam demandas com aquilo que estão em condições de ofertar - eis a mágica e o que faz o fascínio dos começos. A mulher, sobretudo, deseja ser capturada por um homem que mostre-lhe um fervor desejante, demonstre que a ame, preferencialmente dando provas. Assim, no pleno exercício de sua demanda, ela acaba por oferecer o que interessa à demanda masculina: a conquista. O desejo feminino por ser desejada está para o desejo masculino da conquista (ou captura, no cruel universo darwinista).
Mas, em se tratando de desejo, a coisa nunca é tão simples. É bastante evidente para quem lida com os sofrimentos de pacientes que sofrem por desejos insatisfeitos, que, comumente, eles se atrapalham bastante nesse game of love. Vou comentar um dos incontáveis “erros de cálculo”.
As mulheres, em especial, aprendem rápido que a melhor forma de conseguir saciar sua demanda é por meio da indiferença completa àqueles que se apresentam como pretendentes. Há verdade nisso. A lógica que anima a estratégia é: “se eu me entregar de lambuja, ele não irá me valorizar como eu quero, afinal, quem valorizaria aquilo que não deu trabalho para conseguir?”
Estratégia perfeita, no século 19. Hoje, homens assustados com o processo de independência da mulher, estão em crise com a função-macho. Ou seja, aquilo que afirmava sua potência -a capacidade da conquista- tornou-se árido a ponto dele não acreditar ser possível. Desse modo, a estratégia da indiferença é interpretada como “mais uma mulher independente que não precisa de mim”. Diante disso, o homem ressentido também dá sinais de indiferença e nada acontece.
Assim, homens e mulheres ficam a cirandar em um carrossel infernal que não para de rodar. E, no final da noite, todos estão a sós com suas frustrações. Consultórios psicológicos recebem homens ressentidos, reclamando das mulheres autossuficientes, e mulheres desesperadas por amor, reclamando dos homens que não querem nada com nada. Uma dica: dada nossa tendência a projetar nos outros nossas falhas, sempre achando que nele reside todo o problema, talvez ajude em alguma coisa perceber que você também é falho.
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Mulheres e Homens
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Homens e Mulheres.. sem entrar em diferenças de gêneros- você já fez muito bem - o que muitos ainda esperam é o ideal da união perfeita, abalado na primeira tropeçada,esbarrada, cabeçada com a falta do outro, com a falha do outro, o que é imensamente provável (somos todos sapos). A primeira alternativa é recuar para seu lugar seguro, mesmo solitário, que carrega apenas lembranças doces de um amor passado que já foi ha muito tempo, e assim se protege de novos encontros, novas apostas, um novo recomeço, porque não se tem ideia do que fazer quando o outro não corresponde da maneira que se quer. Se o desejo não for de uma posição de compromisso, cai numa posição de alienação (da demanda). “ Quero o que desejo ou desejo o que eu quero”? Freud nos lembra dos sujeitos que fracassam quando triunfam- fracassam pelo sentimento de culpa de não sustentar uma realização. É disso que se trata o impossível da espera, da compreensão.
ResponderExcluirÉ, o amor nos desloca de nossa identidade, nos desestabiliza, mas é aí, nos ajustes, no desejo de triunfo que é possivel que o negócio aconteça. Demora muito pra entender que a quem se pretendeu submeter, não deseja nada dele.
Livia,
ResponderExcluirAntes de iniciarmos, desculpe a demora para responder seu comentário.
Bem (agora já iniciando) você falou um bocado de coisas. Vou comentar alguma delas.
1- Sim, uniões perfeitas tendem ao fracasso por uma razão simples: elas nunca existiram.
Mas, tem gente que gosta daquela frase do Quintana que vai na linha do “o fato de ser impossível não significa que não possa quere-las”. Acho que há limites para a idealização. Diluí-la por completo certamente nos adoeceria, cultuá-la excessivamente nos priva de algo mais concreto. Talvez a temperança aristotélica (“Ética a Nicomaco”) deva ser revisitada.
2- Sobre o “desejo de compromisso” entendi algo na linha do “desejo por compromisso”. Se for a isso que você se refere, acho que sim: ou optamos por habitar o enigma do desejo, tentando encontrar uma boa forma de habitar este volátil habitat, ou caímos no campo da demanda a um outro que, certamente, tende ser o eterno responsável pelas minha miséria.
Um pouco adiante você sugere a provocação “quero o que desejo ou desejo o que quero?”. Confesso que não consegui entende-la. Explique-se (rs).
3- Não conheço essa passagem que você mencionou sobre Freud. Fale mais disso...
4- Essa compreensão tardia à qual você se referiu em “Demora muito pra entender que a quem se pretendeu submeter, não deseja nada dele.” soou-me bastante enigmática e interessante. Também gostaria de saber mais disso.
Obrigado pelo comentário,
Espero pelas respostas.
Um abraço.
Meu Caro,
ExcluirA temperança é uma das virtudes mais belas.Permite a moderação dos prazeres, possibilita o prazer comedido, contra qualquer tipo de escravidão.
Quero dizer, quando me refiro a desejo de compromisso, que a relação com o outro implica uma dimensão de responsabilidade. Querer o que deseja é um compromisso com o desejo. Desejar é diferente de querer, o querer é de outra ordem. Desejar o que se quer é alienar-se a uma demanda, de não responsabilidade, de não sustentabilidade. E então quando tenho o que quero (triunfo), fracasso (não era exatamente isso, do desejo).
Você já havia entendido: “ou optamos por habitar o enigma do desejo, ou caímos no campo da demanda do outro". Ou a submissao masoquista de sujeição ao outro, ou a responsabilidade entre o sujeito e seu desejo, que de certa forma nos safa da culpa neurótica.
Quanto ao enigma do amor, explicando-me com outra frase, com o risco de continuar sem ser entendida (pelo mal entendido que tudo se entende), “amar é dar o que não se tem, a alguém que não quer”(Lacan).