Há tempos Lars von Trier estreitou relações conjugais com a tradição trágica da existência. Para habitar este universo rarefeito é preciso coragem, algo que parece sobrar ao diretor dinamarquês e faltar em nossos tempos.
Seja em Dogville (2003) ou em O Anticristo (2009), Lars Von Trier encurrala, em um beco sem saída, todos representantes das utopias modernas para fincar-lhes presas envenenadas, engolfando o expectador no deserto agônico que nossa cultura insiste maquiar.
Nos dois filmes mencionados acima, o Mal é o protagonista. Como bom trágico, Lars von Trier é um moralista cético. Quando falo em moralista não me refiro ao uso cotidiano do termo, mas sim a filosofia moral, tal como nos fala Nietzsche, Dostoievsky, Hume, entre muitos outros. Aqui não há espaço para utopias. O ser humano é naturalmente mal, restando à sociedade a incumbência de civiliza-lo (o oposto da lombeira hipótese de Rousseau).
Em Melancolia (2011) o diretor adentra, impiedosamente, em nosso desamparo fundamental. A narrativa edifica-se nos diferentes movimentos das irmãs Claire e Justine ante a inelutável cercania do Fim. A otimista, madura e bem resolvida Claire, em emergência, apega-se, em meio a gemidos nervosos, à messiânica razão científica. A pessimista e infantil Justine sabe das coisas, e por isso não liga.
Em termos nietzschianos –aparentemente um dos estros poéticos do diretor- Claire está no registro do ressentimento, incapaz de suportar a completa indiferença cósmica em relação à vida. Justine –a heroína- ao se render, nua e diabolicamente serena, diante dos encantos do Planeta Melancolia poderia entoar intuitivamente a máxima kafkiana de que existem muitas esperanças, não para nós. Na chave nietzschiana, Justine estaria no registro do niilismo passivo: nega os afetos infantis que animam a moralidade patológica de Claire e John (os “adultos” da narrativa) mas não consegue respirar fora de sua cripta.
É claro que podemos tomar o filme como uma metáfora comprobatória da experiência laboratorial que demonstra as consequências comportamentais da ausência de contingências reforçadoras, ou da sapiência psicanalítica sobre a melancolia enquanto um luto sem fim, fruto do processo de esvaziamento e pauperização de um Eu fixado na perda do objeto constituinte, ou mesmo na reflexão psicossociológica acerca dos desdobramentos nefastos da produção de subjetividades encasteladas pela lógica mercantil.
Todas as vezes que revejo o filme noto-me quase a sentir o cheiro da melancolia no ar. Acho que o cinema de Lars von Trier está próximo do que poderia ser chamado de um “cinema trágico”. Seja pela construção de personagens profundos ou mesmo pelo gosto em desvelar o que costuma ser matéria de recalque, fato é que não se escapa incólume de seus filmes. E pior, ao tentar resenhar sobre, a tendência de quem entendeu a metáfora do filme é somente uma: silenciar.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Melancolia
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