quinta-feira, 13 de setembro de 2012
"Como posso mudar?"
O pedido “como posso mudar?” anima cotidianamente os consultórios psicológicos. Trata-se de uma pergunta recorrentemente dirigida a terapeutas que, exatamente por isso, veem-se às voltas com certa obrigação por elaborar respostas possíveis.
A “mudança de conduta” é lugar comum na história da Psicologia. Aliás, diga-se de passagem, este compromisso consta na agenda da Psicologia desde sua criação no início do século passado. Divido em duas categorias as respostas até então produzidas: as que se baseiam em uma abstração daquilo que atende pelo nome de “homem”, e as que se fundam em uma dura constatação daquilo que é o homem.
Fazendo-me claro, a primeira categoria tem seu logradouro nos laboratórios espalhados mundo afora, encastelados em suas agendas experimentais como ratos, coelhos e macacos, filiam-se a mais cara tradição moderna, preocupada, sobretudo, com a tríade: observação, previsão e controle. O caráter abstrato das enclosure´s theorys deve-se a ingenuidade no trato com a substância humana. Deve-se também ao divórcio com a constatação de Erich Auerbach, para quem a vida tende a misturar o que os laboratórios insistem separar.
A segunda categoria assume a ininteligibilidade do animal humano. Não se nota no rol de suas preocupações, e portanto de sua agenda de compromissos, a obsessão por diluir as contradições ao nível 0. O animal humano não é um ser de fácil apreensão. Basta se olhar no espelho para entender rapidamente o conceito contradição. Sim, somos seres irremediavelmente contraditórios. Queremos o que não podemos. Podemos o que detestamos. Detestamos o que nos dá prazer, etc etc etc. Mas como a conversa de hoje é sobre a reincidência de um evento clínico, voltemos à questão: como posso mudar?
A Psicologia se vê provocada diante de tal pedido. Faz-se necessária uma resposta. Para tanto, precisamos assumir inicialmente uma definição firme (não frouxa) de ser humano. Antes de pensar sobre “o que nos faz agir assim?” ( respostas a esta pergunta tendem ao pragmatismo preguiçoso) precisamos responder outra questão: “o que somos?”.
Essencialmente somos, todos nós, seres frágeis, inseguros, hesitantes, desconfiados, miseráveis e propensos a toda sorte de imperfeição moral. Qualquer plano terapêutico interventivo que não traga em seu bojo, como balizadores estas poucas e boas caracterizações do animal humano, incorrerá em abstração e portanto será inócuo.
Por mais que esta dura imagem nos ofenda, qualquer um que esteja em dia consigo sabe do que estou a falar. Parece que a impostura moderna por excelência – a fetichização antropocêntrica- chegou a seu ápice em tempos de busca por saúde e felicidade total pela via do aperfeiçoamento intermitente de todas as esferas da vida -pública e privada.
Assim, a orientação concreta para uma resposta possível deve necessariamente respeitar a inexorável impossibilidade de soluções totais para o problema humano. O homem sofre porque isso é intrínseco a sua condição. Convenceram-nos de que além de sermos obrigados também temos o direito à felicidade. Isso é que está errado. A direção da resposta psicológica deve 1) estar embebedada na inviabilidade da felicidade total; 2) respeitar o papel dos afetos que trazem dor. Concordo com Dostoievsky: o sofrimento e só o sofrimento nos humaniza. Intervenções psicológicas no sentido da diluição dos afetos “negativos” me soa diabólico.
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