quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mulheres e Homens


Desejo, logo sofro. Talvez esta seja a máxima psicanalítica por excelência. Se a Psicanálise tem algo de útil a oferecer (e seguramente tem), certamente é sobre esse negócio chamado desejo. Como se constrói o desejo? Há lógica? Sim, mas vamos com calma.

Desejo e vontade não são sinônimos. Os desejos estão na categoria das paixões, matéria constituinte da maldita condição com a qual devemos aprender a lidar. No universo heterossexual, o desencontro entre homens e mulheres é certeiro. Já o encontro -que seria o desejável- é matéria constituinte dos momentos mágicos onde a vida deixa sua marcha ordinária.

O itinerário habitual começa no jogo das mútuas idealizações (se um não quer, dois não brigam). Neste ponto, homens e mulheres saciam demandas com aquilo que estão em condições de ofertar - eis a mágica e o que faz o fascínio dos começos. A mulher, sobretudo, deseja ser capturada por um homem que mostre-lhe um fervor desejante, demonstre que a ame, preferencialmente dando provas. Assim, no pleno exercício de sua demanda, ela acaba por oferecer o que interessa à demanda masculina: a conquista. O desejo feminino por ser desejada está para o desejo masculino da conquista (ou captura, no cruel universo darwinista).

Mas, em se tratando de desejo, a coisa nunca é tão simples. É bastante evidente para quem lida com os sofrimentos de pacientes que sofrem por desejos insatisfeitos, que, comumente, eles se atrapalham bastante nesse game of love. Vou comentar um dos incontáveis “erros de cálculo”.

As mulheres, em especial, aprendem rápido que a melhor forma de conseguir saciar sua demanda é por meio da indiferença completa àqueles que se apresentam como pretendentes. Há verdade nisso. A lógica que anima a estratégia é: “se eu me entregar de lambuja, ele não irá me valorizar como eu quero, afinal, quem valorizaria aquilo que não deu trabalho para conseguir?”

Estratégia perfeita, no século 19. Hoje, homens assustados com o processo de independência da mulher, estão em crise com a função-macho. Ou seja, aquilo que afirmava sua potência -a capacidade da conquista- tornou-se árido a ponto dele não acreditar ser possível. Desse modo, a estratégia da indiferença é interpretada como “mais uma mulher independente que não precisa de mim”. Diante disso, o homem ressentido também dá sinais de indiferença e nada acontece.

Assim, homens e mulheres ficam a cirandar em um carrossel infernal que não para de rodar. E, no final da noite, todos estão a sós com suas frustrações. Consultórios psicológicos recebem homens ressentidos, reclamando das mulheres autossuficientes, e mulheres desesperadas por amor, reclamando dos homens que não querem nada com nada. Uma dica: dada nossa tendência a projetar nos outros nossas falhas, sempre achando que nele reside todo o problema, talvez ajude em alguma coisa perceber que você também é falho.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Melancolia


Há tempos Lars von Trier estreitou relações conjugais com a tradição trágica da existência. Para habitar este universo rarefeito é preciso coragem, algo que parece sobrar ao diretor dinamarquês e faltar em nossos tempos.

Seja em Dogville (2003) ou em O Anticristo (2009), Lars Von Trier encurrala, em um beco sem saída, todos representantes das utopias modernas para fincar-lhes presas envenenadas, engolfando o expectador no deserto agônico que nossa cultura insiste maquiar.

Nos dois filmes mencionados acima, o Mal é o protagonista. Como bom trágico, Lars von Trier é um moralista cético. Quando falo em moralista não me refiro ao uso cotidiano do termo, mas sim a filosofia moral, tal como nos fala Nietzsche, Dostoievsky, Hume, entre muitos outros. Aqui não há espaço para utopias. O ser humano é naturalmente mal, restando à sociedade a incumbência de civiliza-lo (o oposto da lombeira hipótese de Rousseau).

Em Melancolia (2011) o diretor adentra, impiedosamente, em nosso desamparo fundamental. A narrativa edifica-se nos diferentes movimentos das irmãs Claire e Justine ante a inelutável cercania do Fim. A otimista, madura e bem resolvida Claire, em emergência, apega-se, em meio a gemidos nervosos, à messiânica razão científica. A pessimista e infantil Justine sabe das coisas, e por isso não liga.

Em termos nietzschianos –aparentemente um dos estros poéticos do diretor- Claire está no registro do ressentimento, incapaz de suportar a completa indiferença cósmica em relação à vida. Justine –a heroína- ao se render, nua e diabolicamente serena, diante dos encantos do Planeta Melancolia poderia entoar intuitivamente a máxima kafkiana de que existem muitas esperanças, não para nós. Na chave nietzschiana, Justine estaria no registro do niilismo passivo: nega os afetos infantis que animam a moralidade patológica de Claire e John (os “adultos” da narrativa) mas não consegue respirar fora de sua cripta.

É claro que podemos tomar o filme como uma metáfora comprobatória da experiência laboratorial que demonstra as consequências comportamentais da ausência de contingências reforçadoras, ou da sapiência psicanalítica sobre a melancolia enquanto um luto sem fim, fruto do processo de esvaziamento e pauperização de um Eu fixado na perda do objeto constituinte, ou mesmo na reflexão psicossociológica acerca dos desdobramentos nefastos da produção de subjetividades encasteladas pela lógica mercantil.

Todas as vezes que revejo o filme noto-me quase a sentir o cheiro da melancolia no ar. Acho que o cinema de Lars von Trier está próximo do que poderia ser chamado de um “cinema trágico”. Seja pela construção de personagens profundos ou mesmo pelo gosto em desvelar o que costuma ser matéria de recalque, fato é que não se escapa incólume de seus filmes. E pior, ao tentar resenhar sobre, a tendência de quem entendeu a metáfora do filme é somente uma: silenciar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pretensão Psicanalitica sobre o filme Melancolia


 “ Meu amor

o que você faria

se só te restasse um dia

Se o mundo fosse acabar

Me diz o que você faria

Ia manter sua agenda, de almoço, hora, apatia, ou esperar os seus amigos, na sua sala vazia?(...)”

Paulinho Moska/Lenine

 

Se só restasse um dia, cada um reagiria de formas inimagináveis, mas não tão fora de acordo com o que se costuma agir diante de situações em que não se tem muita escolha, acredito. 

No filme de Lars Von Trier, a espera de seus habitantes para o fim do mundo, com a chegada do planeta Melancolia, nos dá um bom exemplo de que alguns, frente a falta de perspectivas,  recuam de sua via e adotam uma atitude fatalista frente ao conflito.Outros lutam até o fim.

Alguns fatores são estruturantes, porque traumáticos, no sentido de determinar uma estrutura (posição do sujeito em relação ao Outro). Lacan nominou de fantasma o que o sujeito inventa para arcar com a falta, um modo de negociar o objeto a (causa do desejo) em troca da demanda do outro. Os que recuam, não negociam. E os que não negociam...

Na trama, a personagem Justine sai de cena em seu próprio casamento. Vestida de noiva, resolve tirar o véu da fantasia. Incapaz de se iludir sobre o fim das coisas, desiste antes da hora. Desvestida da fantasia, que é o suporte do desejo, resgate de uma posição, torna-se desajustada, em desacordo, incapaz de corresponder a demanda do outro. A quebra da sua fé lhe tira condições para reinventar as representações do mundo, já que suas formações imaginárias (organização em torno de identificações e demandas de amor e reconhecimento) estão esvaziadas. A mãe-má recusa o pedido de socorro de Justine, se retira o tempo todo- se é que se colocou alguma vez- e o pai nem mesmo o escuta.

Freud inaugurou os estudos sobre os estados depressivos em seu artigo luto e melancolia (1917,1915). Diz que existem duas reações diante de uma perda real ou ideal de um objeto investido libidinalmente: o luto, uma condição normal, e seu correspondente patológico, a melancolia. O melancólico freudiano é o bebe repudiado pela mãe. E o lacaniano é seu outro materno pouco disponível, em que o Nome do Pai, foracluído, não se inscreveu por meio do discurso da mãe. Ao melancólico não houve significação fálica. O Outro não se apresentou em tempo ou se retirou cedo demais. Então o melancólico é aquele “preso a um tempo morto, um tempo em que o Outro deveria ter comparecido, mas não compareceu”, fala Rita Kehl. Morre o outro para o melancólico, morre o outro e portanto o próprio corpo.

            Diferente do luto, a libido investida no objeto perdido retorna ao eu e lá estabelece a identificação do eu com o objeto perdido. A perda não é simbolizada pelo melancólico, precipitando a morte do desejo. A comida preferida de Justine “tem gosto de cinzas” . “A vida na terra é má”. Parte do eu identificada ao objeto perdido se torna a própria perda em si. 
Em todo processo de luto, confronta-se com a castração.

Claire em contrapartida, cuida da irmã, mesmo depois da ruína de um casamento minuciosamente programado, e é ainda capaz de pensar num ritual simbólico ali, diante do inevitável.

            Finitude sim. Estamos diante do fim o tempo todo. O futuro é o tempo da incerteza, mas vale alguma criação de sentido frente a única certeza que temos, que é a morte. Todo dia é dia da possibilidade de nos restar um dia. E então?     

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

MENTIRA!




Por Milton Nuevo de Campos Neto. 
 
Sobre a mentira, venho pensando em que medida ela é presente em nossas vidas, especialmente no que se refere ao mal-estar. Porque mentimos? Ou melhor, talvez a pergunta seria: o que queremos esconder?
Lembro-me de uma cena da clínica. Uma analisanda chega à sessão retomando nosso encontro anterior, o qual havia terminado quando ela chega a uma questão sobre um ex-namorado: afinal, diante de muitos encontros com ele após o fim do relacionamento e diante da alegria causada por tais encontros, quer estar novamente com ele? Na ocasião, a moça insistia, contraditoriamente, que não!
Comparece, então, para me dizer exatamente isso: “Eu pensei e, refletindo, cheguei à conclusão de que eu te disse uma mentira. Não que eu estivesse mentindo pra você, na verdade eu acho que mentia pra mim mesma. Então, te contei honestamente uma mentira!” Sem exageros, juro que foi o que ouvi. Disse isso para que eu soubesse que ela deseja retomar seu relacionamento.
E então, o que pensar? Lembro, também, de outra anedota: em uma conversa com a equipe com quem trabalho em São Bernardo, discutíamos alguns casos. Então, um colega levanta a questão sobre um paciente que nitidamente havia mentido sobre estar cumprindo os combinados para o tratamento, em outras palavras, estava mentindo sobre ter aderido ao tratamento. O que fez com que o colega chegasse à conclusão de que essa pessoa mentia pra ele. Ao passo que, imediatamente, uma outra colega, que também é dada a essa tal de psicanálise, retificou: “Não, ele mente para si mesmo”.
São muitos os exemplos onde a mentira nos visita na prática clínica, mas isso não deveria nos lançar à ilusão de que somos menos visitados pela verdade! “Sempre falo a verdade” disse Lacan, certa vez. E essas experiências (além, claro, das minhas próprias) com tais honestas mentiras, sempre me colocam a questão da verdade. Assim a histeria o fez com a psiquiatria no século XIX, assim continua fazendo até hoje com quem quer que se coloque a tratá-la.
Gostaria de falar um pouco sobre como ficamos cegos ao tentar separar a mentira da verdade. É preciso que procuremos pela verdade NA mentira, é a conclusão que tiro da cena do documentário de Slavoj Zizek “O Guia Pervertido do Cinema” – no qual ele nos guia por alguns filmes –, cena em que ele faz uma leitura do momento em que Morpheu oferece a Neo as duas pílulas no primeiro filme da trilogia Matrix (http://www.youtube.com/watch?v=Pmi-cFu5Plw). Para ser mais claro, podemos pensar na mentira como sendo o sintoma. Assim se apresenta o sintoma: como uma mentira. Mentira que o sujeito constrói para dizer uma verdade, mentira que se faz pela via da metáfora. Por isso, quando alguém conta uma mentira ao analista (não apenas a ele), o está fazendo de forma honesta. Mente, mas não percebe mentir – seria demais dizer que não sabe. E mente para si, ao fazê-lo, por que não é capaz de suportar a verdade, não é capaz de rememorar o trauma!
O curioso é que o que nos traumatiza não é algo desagradável que ocorreu conosco, mas algo mais agradável do que estamos dispostos a aceitar. Assim, usando um exemplo brutal, não faz sintoma alguém que sofreu um abuso sexual a menos que disso tenha obtido algum prazer.
Lembremos que o sintoma, em psicanálise, é sempre a expressão de um desejo. Verdade que precisa ser expressa virtualmente encoberta em uma mentira. E como responde o psicanalista à mentira do eu? Com a verdade do sujeito, está aí o caminho da interpretação.
A interpretação, em lacanês, não se trata de desvendar um sentido oculto, pré-estabelecido em símbolos que aparecem, como se já houvesse um significado por trás desse símbolo anteriormente à sua produção. Trata-se da enunciação da verdade do sujeito presente na articulação de suas cadeias significantes. Não cabe a um analista dizer qual é o sentido de um sintoma de um sujeito, cabe apenas enunciar, como um eco de quem fala, aquilo que verdadeiramente diz. É na intenção de desfazer um sentido construído e inquestionado no sintoma que o analista faz essas falas esquisitas e fantasmagóricas. Colocar o sujeito em frente ao abismo de seu sentido, a partir daí é o próprio sujeito quem deve escolher se atravessa o abismo e produz outra coisa que não mais precise daquele sentido sintomático que houvera construído.
O sujeito constrói seu sintoma para proteger-se do insuportável de seu desejo. A análise é capaz apenas de oferecer um encontro com aquilo que foi necessário esconder de mim mesmo.
Mas porque isso seria interessante? Ora, porque eu nunca fui capaz de viver sem isso que escondo de mim, chegando a criar esses castelos fantásticos para viver meu desejo. Sem isso que escondo, em suma, não existo e a questão é: preciso de uma metáfora para escrever minha marca real às experiências que pretendo viver?
Sem esse incômodo, não é aconselhável procurar uma análise...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Como posso mudar?"


O pedido “como posso mudar?” anima cotidianamente os consultórios psicológicos. Trata-se de uma pergunta recorrentemente dirigida a terapeutas que, exatamente por isso, veem-se às voltas com certa obrigação por elaborar respostas possíveis.

A “mudança de conduta” é lugar comum na história da Psicologia. Aliás, diga-se de passagem, este compromisso consta na agenda da Psicologia desde sua criação no início do século passado. Divido em duas categorias as respostas até então produzidas: as que se baseiam em uma abstração daquilo que atende pelo nome de “homem”, e as que se fundam em uma dura constatação daquilo que é o homem.

Fazendo-me claro, a primeira categoria tem seu logradouro nos laboratórios espalhados mundo afora, encastelados em suas agendas experimentais como ratos, coelhos e macacos, filiam-se a mais cara tradição moderna, preocupada, sobretudo, com a tríade: observação, previsão e controle. O caráter abstrato das enclosure´s theorys deve-se a ingenuidade no trato com a substância humana. Deve-se também ao divórcio com a constatação de Erich Auerbach, para quem a vida tende a misturar o que os laboratórios insistem separar.

A segunda categoria assume a ininteligibilidade do animal humano. Não se nota no rol de suas preocupações, e portanto de sua agenda de compromissos, a obsessão por diluir as contradições ao nível 0. O animal humano não é um ser de fácil apreensão. Basta se olhar no espelho para entender rapidamente o conceito contradição. Sim, somos seres irremediavelmente contraditórios. Queremos o que não podemos. Podemos o que detestamos. Detestamos o que nos dá prazer, etc etc etc. Mas como a conversa de hoje é sobre a reincidência de um evento clínico, voltemos à questão: como posso mudar?

A Psicologia se vê provocada diante de tal pedido. Faz-se necessária uma resposta. Para tanto, precisamos assumir inicialmente uma definição firme (não frouxa) de ser humano. Antes de pensar sobre “o que nos faz agir assim?” ( respostas a esta pergunta tendem ao pragmatismo preguiçoso) precisamos responder outra questão: “o que somos?”.

Essencialmente somos, todos nós, seres frágeis, inseguros, hesitantes, desconfiados, miseráveis e propensos a toda sorte de imperfeição moral. Qualquer plano terapêutico interventivo que não traga em seu bojo, como balizadores estas poucas e boas caracterizações do animal humano, incorrerá em abstração e portanto será inócuo.

Por mais que esta dura imagem nos ofenda, qualquer um que esteja em dia consigo sabe do que estou a falar. Parece que a impostura moderna por excelência – a fetichização antropocêntrica- chegou a seu ápice em tempos de busca por saúde e felicidade total pela via do aperfeiçoamento intermitente de todas as esferas da vida -pública e privada.

Assim, a orientação concreta para uma resposta possível deve necessariamente respeitar a inexorável impossibilidade de soluções totais para o problema humano. O homem sofre porque isso é intrínseco a sua condição. Convenceram-nos de que além de sermos obrigados também temos o direito à felicidade. Isso é que está errado. A direção da resposta psicológica deve 1) estar embebedada na inviabilidade da felicidade total; 2) respeitar o papel dos afetos que trazem dor. Concordo com Dostoievsky: o sofrimento e só o sofrimento nos humaniza. Intervenções psicológicas no sentido da diluição dos afetos “negativos” me soa diabólico.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Nota sobre Amores Impossíveis


Ahh, o amor! Todo amor é impossível ?

Amantes: sujeitos desejantes.

Aquele que AMA, ANTES demanda ser amado, e habita o reino da doce e amarga ilusão de que aquele alvo o complementa.

Freud : amor como função de idealização.
Lacan: amor como função de sublimação.

O amor se encaixa no reino do imaginário (do ideal de felicidade pessoal). 

Nasce no pensamento ocidental “uma idealização bifronte do amor”, diz Jurandir Freire Costa: idealizam-se o objeto amado e o sujeito do amor.
Há algo imperdível escrito por esse psicanalista pernambucano:

“Amor é uma crença emocional, e como toda crença pode ser mantida, alterada,

dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a

roda, o casamento.. tudo pode ser recriado se acharmos que assim deve ser. Ele nasceu

na era dos sentimentos, do gosto pela introspecção e por histórias sem fim de apostas

ganhas e perdidas. Hoje entramos na “era das sensações”, sem memória, sem história.

Nada nos parece mais bizarro e tedioso do que aventuras sem orgasmos e sofrimento sem

remédio a vista. Aprendemos a gozar com o fútil e passageiro e todo além do principio do

prazer é só um vício de linguagem ou da inércia dos costumes. Em suma, vivemos numa

moral dupla: de um lado, a sedução das sensações; de outro, a saudade dos sentimentos.

Queremos um amor imortal e com data de validade marcada: eis sua incontornável

antinomia e sua moderna vicissitude! "

Moral dupla que implica não escolher e portanto não se responsabilizar! É dúvida dos amantes impossiveis (ou impossiveis amantes).

Bauman ajuda com sua simplicidade : "o amor é o que é, e cabe aos sujeitos estarem conscientes do que assumem quando decidem amar".
 
Os neuróticos escolhem se amam algo da ordem do que é possível ou não (Sim, Paulo, a impossibilidade é tentadora).

Apostar no amor louco, dramático, heróico, doentio beira ao fracasso, contrário a possibilidade de um amor sensato, que não se torne a única razão do sujeito, mas que seja da altura da sua própria liberdade.

Amores Impossíveis




Ah, os amores impossíveis. Parece que a comunidade neurótica não consegue escapar desta tentação. Antes de me chamarem de pessimista ou desiludido, uma nota a meu favor: por amores impossíveis, estou chamando aquilo que está no âmbito na fixação no/do sintoma, não as belas narrativas shakespearianas, trágicas, por isso mesmo belas.

A neurose descrita por Freud e seus continuadores, refere-se, entre outras coisas, ao gosto pelo pecado da preguiça. Ao neurótico sobram dúvidas e faltam as certezas necessárias para o movimento. Isso é endêmico, constituinte e, portanto, uma daquelas coisas que se aprende, no máximo, a lidar.

A clínica nos mostra cotidianamente esta fixação. O amor impossível por um homem ou mulher prende a atenção neurótica. (lembre-se, neurose é a estrutura da dúvida, do horror às certezas) por uma razão econômica: é mais fácil estar às voltas com alguém que não lhe dá a mínima, que não lhe trata bem, que é indiferente a sua presença, que não corresponde às suas investidas, que é detestável. Quais são as chances de dar errado? Todas, já deu. Eis um posicionamento tipicamente neurótico: 1) colocar-se repetidas vezes em barcos furados; 2) culpa-los por seus furos.

A consciência neurótica é resistente à lógica, ao bom senso, à razão. Claro, como poderia ser diferente se mantemos relações incestuosas com nossos pecados, se amamos-lhes? Amor é um conceito caro à psicanálise, serviu de inspiração central na edificação teórica freudiana, que nos ofertou duas conotações distintas sobre o tema: amor como pathos e como ethos. A primeira modalidade (pathos) é matéria de nossa ruína certa: amamos nossos pecados. A segunda (ethos) é matéria de uma solução possível para os impasses inexoráveis do desejo. Trata-se de uma solução ética para nossas tendências. Por solução não entendam “o que preciso fazer para ser feliz”. Aliás, em matéria de felicidade, o compromisso neurótico com pathos, mostra-se mais favorável. Em ethos, a felicidade é incerta –para não dizer improvável- mas o tédio também o é.

Sobre a felicidade em Freud, vale lembrar as palavras do sábio mestre em "Estudos de Histeria" de 1896. Neste texto, encontramos uma frase que revela muito da sensibilidade freudiana sobre as possibilidades humanas. Freud proclama que o intento de sua prática não seria outro senão transformar a miséria neurótica em infelicidade humana ordinária.