terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Sexualidade: o axioma psicanalítico (parte 3)


Pois chegou a hora de mostrar um encontro decisivo na história da psicanálise, Freud e Breuer. Após ter participado das impressionantes demonstrações de Charcot, sobre os benefícios da hipnose na compreensão da etiologia histérica, Freud voltou à Viena e trouxe consigo um relatório –algo como o que a Capes nos pede hoje quando vamos a algum Congresso por eles custeado- com suas descobertas e reflexões.

Na plateia, estava o professor e diretor do hospital em que fazia seus trabalhos (Meynert), Breuer, dentre muitos outros da comunidade médica vienense. Freud, em seu discurso, defendeu ser irrelevante a procedência das ideias que haviam surgido da mente dos pacientes de Charcot. Ou seja, que pouco importava se eram fruto de auto-sugestão -após uma experiência traumática- da hipnose, ou mesmo se eram obra do demônio -como se dizia antigamente sobre os ataques histéricos, entendidos como possessão demoníaca. Freud julgava importante o fato dessas ideias permanecerem desconhecidas para o paciente, afastadas, por alguma razão, da consciência. Para ele, Charcot, através do uso da hipnose nos permitiu vislumbrar algo novo, permitiu que alcançássemos e tocássemos um material inconsciente, esquecido, desconhecido, mas que surtia efeito de produção sintomático.

Neste relatório, Freud “obrigou” a comunidade médica vienense a convir com o fato de que após as lições e demonstrações públicas promovidas por Charcot em Paris seria inadmissível não aceitar a existência de pensamento em um âmbito não-consciente. Na época, Freud entendia que esses pensamentos inconscientes seriam produto de uma mente perturbada, ou estão conectados a algum trauma através de uma cadeia lógica cujos elos precisariam ser remontados.

A comunidade médica vienense se mostrou pouco surpresa com as descobertas de Charcot. O professor Meynert, por exemplo, reafirmou ser de conhecido o fato de que emoções fortes- como aquelas provocadas eventos traumáticos- podem afetar o sistema nervoso central, gerando quadros sintomatológicos diversos. O professor Meynert entendia não haver nenhuma lição a ser tirada das demonstrações de Charcot, nem sobre o hipnotismo, tampouco sobre o âmbito não-consciente de pensamentos. Meynert achava desprezível a conclusão de Charcot sobre a “mente dividida” após um evento traumático e julgava doente alguém que se valia de hipnotismo como técnica cientifica. Os médicos vienenses preferiam deixar “a especulação metafísica” aos parisienses, mantendo-se fiéis a experimentação fisiológica. Freud percebeu cedo, embora nunca tivesse assimilado, que não encontraria na comunidade médica a atenção e o reconhecimento que buscava.

Porém, foi a partir deste relatório que Breuer e Freud passaram a estreitar relações. O primeiro confessou que previu as reações hostis de seus colegas, e que por isso não tomou a palavra para si, mas que se surpreendeu com a coragem do jovem médico (Freud) em elaborar um relatório tão polêmico, que apontava para uma cegueira da comunidade médica e de suas estimadas teorias que nada poderiam contribuir diante da evidência dos casos de histeria que aumentavam nos hospitais.

Breuer confessou a Freud, também ser um praticante da hipnose. Ele apresentou, em linhas gerais, o caso de Cecily (aquela que mais tarde seria decisiva para a invenção da psicanálise), uma paciente que teve uma crise nervosa após a morte do pai, apresentando diversas desordens, por exemplo insônia. Breuer justificou o primeiro uso da hipnose como modo de faze-la dormir sem recorrer aos medicamentos. Contudo, uma vez no transe (rebaixamento da consciência ou estados de obnubilação) Cecily passou a dizer frases desconexas, mas que pareciam ter algum significado. Breuer passou a perguntar sobre o sentido por trás das palavras pronunciadas, e após algum tempo passou a perceber a causa de sua insônia: ela estava aterrorizada com um sonho recorrente em que via o corpo do pai sendo devorado pelos gatos de Nápoles, local onde ele havia morrido. E o mais surpreendente foi que contar os sonhos promoveu um alivio de seu terror. Assim ela passou do horror para um sono tranquilo. Desse episódio, surgiu a suspeita/questão de Breuer: se um sintoma pode ser aliviado com tal procedimento (fala sob estado hipnótico), por que outros também não poderiam? Assim, Breuer passou a hipnotiza-la recorrentemente, como forma de fazê-la acessar a cena de terror, revivendo o incidente traumático. Curiosamente, o procedimento fazia o sintoma desaparecer. Contudo, Breuer não entendia porque ele sempre voltava, ora igual, ora sob outro traje.

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