quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O amor fofo


Duas observações não conectadas entre si:

1) Alguém mais percebeu a exata semelhança entre o estado de humor que as pessoas tendem a desenvolver nesta época de final de ano, e o estado encenado pelos personagens das telenovelas brasileiras nos capítulos finais?

2) Desconfio dos supostos gestos tipicamente amorosos - ou "típicos de quem está apaixonado" ou mesmo "de quem está amando"- por uma razão muito simples: não existe duas pessoas que amam do mesmo jeito. Me soa mal aquele que se esforça por oferecer mostras de amor "fofas". Não gosto do "amor fofo".

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A droga pede controle*

É bastante urgente a questão das drogas no panorama político atual. Essa é apenas a constatação de um fato, mas o que há para se dizer, ou ainda para se pensar sobre essa questão?

Em primeiro, gostaria de afirmar a importância de tratar o assunto como questão, pois não há possibilidade – a meu ver – de uma conclusão sobre esse assunto no atual contexto. Prova disso é a atual investida do projeto de lei proposto por Demóstenes Torres que dispõe sobre a problemática apontando como uma possível solução a tão equivocada Internação Compulsória do usuário de drogas ilícitas. Ato tão polêmico e atual com relação ao qual, desde já me coloco em posição radicalmente contrária, mas sobre o qual gostaria muito de propor alguma reflexão.

Se aprovada, a lei garante ao Estado o direito de privar um cidadão usuário de drogas ilícitas de sua liberdade, colocando-o em uma “instituição de tratamento”. A justificativa para tal proposta é baseada na situação do crack dentro do contexto social. O uso do crack na atual conjuntura é tratado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (não apenas por ela) como uma epidemia. E o que dizer disso? Pois bem, em primeiro que, pessoalmente, vejo não apenas uma cadeia de equívocos em série nesse interim, mas, principalmente, que me chama atenção a impulsividade e agressividade das iniciativas tomadas, das discussões, da emersão dos discursos sobre o tema, por toda parte.

Não pretendo com esse texto expor nem a metade do que penso sobre o assunto, mas apenas chamar para a discussão alguns fantasmas.

A droga é um fantasma! A droga é um fantasma? Ela assombra a sociedade! Assombra? Bem, não vejo assombro algum nos inúmeros usuários da rede de atendimento em saúde mental (na qual trabalho, ou nas quais conheço), nem em seus familiares, com relação às diversas drogas que consomem. Algum incômodo, talvez. Mas nenhum assombro, nenhum terror, nenhuma ansiedade diante das substâncias que (essas sim) são declaradamente utilizadas para alterar seus comportamentos, seus estados de humor, sua personalidade. E o que é que difere a Fluoxetina, o Haloperidol, o Clonazepam, do crack? Disse apenas crack para não citar os diversos outros nomes tão mais conhecidos do que os das drogas psiquiátricas às quais acabo de me referir.
A resposta me parece simples: controle! Essa é a diferença! Claro que sim, mas de que controle falamos? Vários, na minha opinião, mas apenas um em suma: o controle na mão de outro (ou fora da minha, como preferir). Já ouvi isso, não inventei. Ouvi: “essa coisa (o crack) deixa a pessoa louca”; “Acaba com a vida da pessoa”; “Quem usa essas coisas não tem Deus no coração”; “O cara começa a se drogar e vira um vagabundo”. Ouço isso cotidianamente, entre outras coisas. O discurso social normalmente trata as drogas ilícitas sob as rédeas do terror.

Há diferença, claro que há! Há drogas que são para tratamento, outras que são para pessoas que querem outra coisa delas! Será? O que quer alguém que toma cachaça na rua? É mesmo tão diferente do que quer o usuário de Clonazepam? Há algo aí nas substâncias que alteram a consciência. Claro, não vou discutir o uso de analgésicos (mesmo que talvez já esteja em discussão a analgesia).

Proponho apenas algumas frases “soltas” antes de encerrar: ‘Desde que sob autorização do Estado, posso me drogar sem culpa’; ‘Se o médico receitou, é para o meu bem’; ‘Quem acabou com a vida daquela criança foi o crack’; ‘Quem usa, é igual a quem trafica’ (o que pensar da relação médico-paciente...?); ‘Esse povo fica por aí drogado por que não tem o que fazer’ (será que basta querer fazer alguma coisa, como trabalhar?).

Enfim, isso é só uma pitada de caos. Mas meu objetivo com isso é apenas movimentar, arejar o pensamento, retirá-lo do curto-circuito “droga representa o mal” já que isso impede de refletir. Se o texto serviu para mostrar o quanto nós (eu também, claro) não temos condições mínimas para discutir de forma responsável as políticas sobre drogas, já serviu para muito. Afinal, independente de querer dar respostas, o que pode ser mais irresponsável do que decidir democraticamente pelo direito estatal de me privar da liberdade, por qualquer motivo que seja?

* Texto elaborado por Milton Nuevo, psicólogo, meu amigo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

acting out


Termo usado em psicanálise para designar as ações que apresentam, a maior parte das vezes, um caráter impulsivo, rompendo relativamente com os sistemas de motivação habituais do indivíduo, relativamente isolável no decurso das suas atividades, e que toma muitas vezes uma forma auto ou hetero-agressiva. No aparecimento do acting out vê o psicanalista a marca da emergência do recalcado. Qunado aparece no decorrer de uma análise (quer seja na sessão ou fora dela), o acting out tem de ser compreendido na sua conexão com a transferência, e frequentemente como uma tentativa para a desconhecer radicalmente.

Vocabulário da Psicanálise
J. Laplanche/ J.-B. Pontalis
Ed. Martins Fontes

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sobre o Discurso de um Rei.


Frente a um desejo, sem voz, eis o motivo para a procura de um terapeuta da fala: quando o sofrimento, intolerável, sinaliza a necessidade de alguém que encoraje mais. E do terapeuta, a aposta: “eu confio em quem quer se curar”, e do paciente, a dúvida: “ eu não sei a hora de falar as coisas”. O tempo corre tão sem (ser) sentido que a hora do instante de perceber é perdido. Pressa pelo futuro, passado prendido, desejos sem causas, causas sem pedido. E durante o processo, a espera silenciosa de quem escuta: “ quando resolver falar (compromisso), eu começo o tratamento” , e o começo de um entendimento impõe alguma percepção de que só assim: “como posso ouvir o que vou dizer? ”. É preciso saber o que quer, pra fazer acontecer. E dizia o pai-rei “é fácil quando se sabe fazer”. E é mesmo. Quando se aprende a bancar o que quer, ganha o trono, faz-se acontecer, torna-se rei das próprias vontades, das possibilidades de estar em paz, sabendo o que está fazendo. Quem é que te tira de lá quando seguro de si, não há outro lugar tão certeiro? E diante de um trauma cravado, marcado na moeda de um xelim, o ensinamento de que “é só passá-lo adiante”, para poder dar o grito final, sem tropeços: “ eu tenho voz”.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Discurso do Rei


Gostaria de agradecer a todos que compareceram ao Cine-Debate, e ofertar aquilo que me marcou da trama -e da discussão- a partir de pequenas pontuações.
Espero revê-los no próximo.

1) Albert não é gago desde sempre. Isso é o que chamamos de memória encobridora. Na verdade, ele é gago desde que se lembra. A gagueira é protagonista do filme. Trata-se de um sintoma que fala aquilo sobre o qual ele não pode falar. A gagueira é expressão de seu compromisso sintomático, aquilo que tampona seu real desejo. Nota: é importante destacar os mais diversos deslocamentos e manobras para, no fundo, ocultar nosso desejo.

2) Contexto lógico-biográfico da formação sintomática: Albert não nasce “livre”. Nasce príncipe, e portanto, com uma série de compromissos morais, sociais e familiares a zelar. A gagueira –sintoma- surge diante da dificuldade em falar por si, de dar-se voz, de não se tornar prisioneiro deste lugar ao qual ele pertence desde antes do nascimento.

Ponto de encontro entre o drama de Albert e de todos nós: quanto estamos dispostos a nos darmos voz? E a sair do lugar que a nós pertencia, dentro da neurose (ou psicose) familiar, desde antes do nosso nascimento? Em geral, gastamos mais tempo (muito mais, por sinal) desistindo do que indo atrás de nossos desejos.
3) O Lugar do Outro em nós. As duas famosas frases de Lacan no seminário XVI “Eu sou quem o EU é” e “O Eu é um Outro” se insere nesse ponto. Não resta dúvida de que nós todos somos fruto de um desejo daqueles que nos trouxeram à vida, pouco importando a natureza deste desejo. Ninguém é uma tábula rasa desde nunca. Assim, posto que o que nos resta é assumir este lugar, a oferta que uma análise honesta poderá dispor é: como você vai assumir o seu posto? Correspondendo a ele ( ocupar pela via do sintoma) ou criando autonomamente um outro (pela via do desejo, única possibilidade de saída do sintoma)?

4) Nota psicanalítica sobre o desejo. Em psicanálise, desejo não é expressão sincera daquilo que queremos ou do que achamos legal, mas sim daquilo que nos move. Problema: como é possível agir conforme o desejo estando no campo da neurose? Na neurose, adiamos, damos volta para ganhar tempo, tentamos fugir a todo custo da via real do desejo. Isso porque, o modo neurótico de ser detesta, acima de tudo, a ambivalência e a errância que a via do desejo nos proporciona. O desejo nunca estará satisfeito e sempre irá querer mais e mais ainda.
No filme, Albert tem o objeto de seu desejo inviabilizado por conta de sua gagueira, pois um Rei precisa de boa oratória. Contudo, a coisa tende a funcionar estruturalmente do mesmo jeito: aquilo que mais tememos costuma ter bastante do que desejamos. Albert demonstra as duas facetas do sintoma psicanalítico desde o início: o gozo e o sofrimento. Ele sofria com a gagueira que, por outro lado, mantinha-o interditado daquilo que mais desejava (e temia): o posto do Rei. O gozo de alienação não pareceu satisfazer os anseios de Albert, daí sua coragem.

5) A gagueira tem origem emocional ou orgânica? Pelo que se nota, não há nenhuma certeza contundente que aponte para a resposta desta pergunta. Contudo, Lacan demonstrou a exaustão que o sujeito se constitui na linguagem. Pela boca de Albert, circulavam, de maneira não reconhecida, os elementos significantes que constituíram tanto seu sintoma, quanto seu desejo. Pela fala, o Ser de Albert se dizia, se enunciava àquele que pudesse, nela, reconhece-lo. Seria equivocado, como a própria trajetória de Albert pelos médicos nos mostra, circunscrever ao aparelho fonatório ou, caso o problema ocorresse nos dias se hoje, à insuficiência funcional de áreas ou circuitos neuronais, o problema de fala de nosso herói.

6) Havia um elemento significante na gagueira de Albert. Seus tropeços não eram generalizados, se acentuando diante do significantes Rei e Pai. Nos momentos de irritação, especialmente com a figura do terapeuta (de quem falaremos a seguir), pode se notar uma fluência impecável. Ou melhor: Albert não gaguejava ao falar consigo mesmo. Lionel Logue, cuja percepção da problemática mostrava-se impecável, logo notou isso.

7) Sobre a relação terapêutica desenvolvida entre Albert e Lionel, cabe alguns apontamentos. Elisabeth, esposa do Duque, procura pelos serviços de Lionel Logue como última cartada. Cansada do fracasso precoce dos tratamentos ditos mais convencionais, ela procura por um método menos ortodoxo. Lionel logo nos mostra do que se trata o seu método: ele queria, ao contrário da vontade de Elisabeth e, a princípio, de Albert, penetrar na intimidade do duque.

8) Um elemento fundamental para o sucesso de uma terapia, aquilo que Lacan chama Sujeito do Suposto Saber, surge na esperança que Albert depositava em Lionel para curá-lo. O humor temperamental e irritadiço de Albert –e a consequente dicção impecável ouvida em seus ataques de fúria- dava pistas para Lionel sobre o manejo do caso. Albert, sobretudo, detestava quando a voz de Lionel representava exatamente a sonorização daquilo sobre o que ele não se permitia ouvir nele mesmo. A resposta raivosa era a prova da autenticidade da aposta do terapeuta. Ele havia captado um mal estar intocado no âmago de Albert, e apostou que aquilo era a chave de seu transtorno.
Uma curiosidade fundamental sobre o terapeuta. Lionel só pôde ouvir o mal estar oculto de Albert porque antes, certamente, havia reconhecido o próprio mal estar, e a relação deste com os possíveis transtornos que lhe assaltaram ao longo da vida. Não reconhecemos no outro aquilo que antes não reconhecemos em nós mesmos.

9) A Psicanálise é uma teoria do Desejo, ela tenta compreender o desejo das pessoas. A ética psicanalítica está fundada no ideal de realização do desejo profundo do sujeito. Foi da escuta da histeria que Freud criou a Psicanálise. Ao se propor a entender o que estava sendo dito no discurso daquelas mulheres que tinham um deslocamento tão grande em relação a seu sofrimento, que ele encontrou a inspiração para toda a teorização posterior. Como se costuma dizer, a Psicanálise é reinventada em cada análise, e sempre a partir da interrogação, movida pela curiosidade de saber, sobre o que esta sendo dito pelos mais diferentes sintomas que nos aparece no consultório.