Há uma regra importante para o início de uma análise: deve ser desejo do analisante operar sobre si, a partir da associação livre, e desejo do analista estar disponível para a escuta, a partir da atenção flutuante. E essa regra segue ríspida, mesmo que no começo de toda disposição do contar, a associação não seja tão livre como se possa imaginar- há tropeços no discurso, falhas de memória, faltas, atrasos, afonia, porque esse lugar que se presta o analisando quando acha-se pronto a falar de si, resiste a entrega, racionaliza idéias, diz como se escutasse o próprio dizer.
Há de haver um tempo em que toda essa resistência que trava o discurso, que trava a palavra de revelação, vai dando lugar a palavras que dizem sobre sintomas que carregam verdades, transformando a relação do sujeito com sua própria escuta. Em que o “estar em análise” faz com que o analista exerça sua função de encorajar o analisando a apostar em relações de sentido, tudo para que ele se represente como sujeito desejante. O manejo da transferência (por aquele que escuta) determina um lugar em que volta (para aquele que fala) outro sentido de seu discurso.
A transferência então se estabelece quando da sustentação de um diálogo do analisando, surge o sujeito que deseja e institui o analista no lugar da causa de seu sintoma. E no falar sobre o mal estar, quanto mais o sujeito explica a sua causa, mais aquele que escuta torna-se o Outro do sintoma, então instalado na posição de sujeito suposto saber. O psicanalista assume um lugar de saber, lugar que conseguirá a atualização da presença do sujeito.
O estabelecimento da transferência se faz necessário para a intervenção do analista e seu trabalho consiste no seu manejo: Na psicanálise, o sujeito ganha saber pela suposição de um saber de um outro que tão pouco sabe. Ganha saber transferindo afeto para a pessoa do analista, afeto referente aos modelos infantis que se repetem quando o sujeito se presentifica. E então nessa posição, com a produção de significações, havendo-se com o verdadeiro, se dirige a verdade.
quarta-feira, 30 de maio de 2012
terça-feira, 29 de maio de 2012
Vampire Diaries
Estou assistindo Vampire Diaries ("Os diários do Vampiro"). A princípio estimulado pelo convite de alguém muito especial mas depois, confesso, por livre e espontânea vontade.
Para quem não sabe, trata-se de um seriado (atualmente na terceira temporada) cuja história versa sobre os irmãos Salvatore, Stefan e Damon, transformados em vampiro por uma mesma mulher, por quem ambos eram perdidamente apaixonados. Não pretendo aqui entrar em detalhes da trama. Para quem puder dispor de algumas horinhas no final do dia (de preferência na companhia de alguém especial) segue a sugestão.
O que me interessa aqui é outra coisa. Para quem assiste o seriado e tem mais de 15 anos, não tarda a percepção, por motivos óbvios, que a trama é destinada à adolescentes. E como dizia Donald Winnicott “o adolescente é o barômetro da sociedade”. Assim, analisar aquilo que tem constituído o imaginário de nossos jovens mostra-se bastante revelador, no que diz respeito a diagnóstico de épocas. Para tal finalidade, nada mais apropriado que a observância das narrativas ficcionais, pois estas ditam e são ditadas por aspectos que nos passam despercebidos mas que, no fundo, animam nossa vida alojando-se em nosso foro íntimo –principal acervo de consulta na hora de decisões difíceis, para nós, os modernos.
O vampiro que a ficção criou nesta primeira década de século 21 é profundamente distinto daqueles que encontram fama da metade para o fim do século passado. Fundamentalmente, isso revela uma mudança significante na subjetividade das épocas. Em essência, duas diferenças marcantes dos nossos novos vampiros –e aqui me detenho àqueles de Vampire Diaries- está nos seus conflitos e na significação do “ser vampiro”.
Ok, ser vampiro nunca foi algo fácil. Resistir à tentação do desejo irresistível de vampirizar o outro sempre foi um problema. Contudo, um dos protagonistas do seriado (Stefan, o herói) deseja ardentemente adquirir um certo autocontrole sobre sua compulsão por vampirizar, para conseguir ter uma vida normal, ao lado de uma mulher com quem deseja construir uma vida. Em suma, é este o conflito que ele nos apresenta. O ato heroico seria controlar sua loucura para ter uma vida normal.
Alguns dos vampiros se relacionam com pessoas normais (não vampiras), e com eles se envolvem sentimentalmente. Um destes casos é Jeremy, adolescente em constante crise existencial que tem a oportunidade de se transformar quando começa a se relacionar com uma vampira. A questão é: por que um adolescente se transformaria em vampiro? Se já sofro barbaridade e a certeza da morte serve como consolo, por que desejaria me transformar em um ser que, em teoria, não morre nunca?
Aqui encontramos uma das respostas veiculadas sobre a significação do "ser vampiro" nesta narrativa e portanto de nossa época. A resposta é simples. Quando nos tornamos vampiros, continuamos a experimentar sentimentos humanos, mas com um benefício interessantíssimo: só se quisermos. Ou seja, se estou me transformando num monstro devorante, amoral e inescrupuloso e minha eternidade está começando a ficar entediante, posso voltar a sentir coisa de humanos, só para variar um pouco.
Resumo da ópera: o adolescente sendo o barômetro da sociedade nos faz tomar a recém hipertrofia do gênero vampiresco como amostra do sintoma social contemporâneo. Não simpatizamos mais com um certo transbordamento de nosso lado b, de nossa identidade secreta. Ao invés disso, preferimos encontrar o desafio no autocontrole, para conseguir uma vida normal. Não surpreende desejarmos (imaginariamente) um botão de liga/desliga para voltar a experimentar a imprevisibilidade sentimental humana, mas só por diversão, para variar. Em tempos de progresso do fenômeno da drogadição (não como meio para uma experiência transcendental, mas como finalidade em si mesma) e de normativismo de condutas, não espanta a estética do morto-vivo estar tão em voga nos dias de hoje.
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