sábado, 17 de dezembro de 2011

Na trilha de Žižek


No mercado atual, encontramos uma série de produtos desprovidos de sua propriedade maligna:
- creme de leite, sem gordura
-cerveja, sem álcool
- café, descafeinado
-sexo virtual, sexo sem sexo

Encontramos aqui, precisamente com a inversão de Lacan do famoso modelo de Dostoievsky: “Se Deus não existe, tudo está permitido” para “Se Deus não existe, tudo está proibido” Como? Por um lado, temos a autorização de ter uma vida cheia de felicidade e prazeres, mas, precisamente, no imperativo para ser feliz, há o "deverás evitar os excessos perigosos”.

Logo, ao final, tudo está proibido: não poderá comer gordura, tomar café cafeinado, cerveja com álcool. Nada é permitido fazer, precisamente sob o mandato do Gozar.

Então, o hedonismo contemporâneo combina prazer com constrangimento. Não é nada além da velha noção da medida correta entre prazer e coação. Gostas de sexo? Ok, mas não em demasiado, ache a medida certa, bla, bla bla; Não! É algo muito mais paradóxico, é uma espécie de imediata coincidência de dois extremos, como, se a ação e a reação coincidissem, o mesmo que causa dano já deve ser o contra-agente, o remédio. Um exemplo disso é o chocolate-laxante que traz em sua propaganda “tens prisão de ventre? Como mais deste chocolate!". A coisa já é seu contra-agente, e a prova negativa da calamidade disto, é o fato de que, hoje, o verdadeiro consumo não restringido em todas as suas principais formas: drogas, sexo livre, cigarro emergem como o principal perigo.

Como explicar o paradoxo no qual a ausência de Lei ("Deus está morto, tudo é permitido") universaliza a proibição?

Existe uma única explicação possível: o Gozo, mesmo que experenciado como transgressão é, em si mesmo, algo imposto. Quando gozamos, nunca o fazemos espontaneamente, seguimos um certo mandato. O nome psicanalítico para este mandato obsceno “Goza!” é SUPEREU.

A noção tradicional de psicanálise é que, devido a alguns obstáculos internalizados - a identidade excessiva com a proibição paterna, ou às proibições sociais (moral instituída)- não se poderia gozar livremente, o prazer não seria acessível, com excessão às formas patológicas, que produziriam a culpa, objeto de sofrimento.

Então, a ideia era que a psicanalise serviria de instrumento para a suspensão das inibições: vencer as proibições internalizadas para que se fizesse possível aceder ao gozo. O problema hoje, é que o mandato da ideologia dominante é de gozar de diferentes modos: poderá fazer sexo e gozá-lo, consumir mercadorias e gozá-las, gozar espiritualmente, realizando a ti mesmo qualquer coisa. O problema não é libertar-se das inibições e ser capaz de gozar espontaneamente, o problema é: como se libertar do imperativo ao gozo?

*Texto inspirado no documentário: "Žižek"

sábado, 10 de dezembro de 2011

Da neurose

Os pais registram os feitos dos filhos

Os filhos são feitos de registros paternos

Se os feitos dos filhos não registram o Pai

O registro são filhos feito pais.

Ciência, religião e sociedade


É fácil se deparar com o pensamento religioso, funcionando em seu clímax, em pleno cotidiano. Falas como “não se preocupe, tudo vai dar certo...” quando alguém lhe dirige a palavra, transmitindo um certo desespero, velado e tímido.

O pensamento religioso contemporâneo está inundado deste “otimismo destemperado e pragmático”, algo que, embora não óbvio, tem relação com medidas repressivas e disciplinares drásticas, como a internação compulsória e involuntária para viciados em crack. Ambas são filhas legítimas do racionalismo tecnicista.

O papel da ciência criticamente orientada –ou seja, aquela ciência que se pensa- é a busca por relações não óbvias. Um exemplo? Será que o aumento de pessoas em situação de rua tem relação com o aumento dos moradores do ciberespaço?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sociedade e Indivíduo



Será que a irresolutividade que atravessa a percepção daqueles que não conseguem enxergar soluções possíveis para os problemas sociais, não passa pela mesma impossibilidade resolutiva com a qual imperceptivelmente (ou não) se deparam frente às suas próprias agruras? Diante de suas próprias questões íntimas?

Como se a incapacidade de encontrar soluções possíveis para problemas sociais fosse uma projeção da incapacidade própria de se conceder satisfação? E, por efeito, se eu não consigo me satisfazer, tampouco encontrar inspirações para me mexer, a sociedade também não o poderia. Assim, cria-se o curto circuito da impossibilidade, sociedade e indivíduo seriam espelhos, um do outro.

Algo como "a sociedade saciada pelo convencimento da impossibilidade, que, por efeito, deriva-se atualizando institucionalmente um cálculo de gozo neurótico"