quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Mulheres Inteligentes



A inteligência é um afrodisíaco; as mulheres que compreenderam esta máxima estão menos solitárias e vazias no final das noites.

Ok leitora, não forcemos a amizade: grande parte dos homens só estão mesmo interessados em coxas bem torneadas, jeans apertado, decotes generosos e, sobretudo, pouco falatório e cobranças.

Serei categórico: dê uma lição a estes homens, desista deles. Sim, desista. Ainda que você fosse esse avião todo, este homem lhe promoveria ao digníssimo status de “troféu” para se gabar diante dos amigos; o tempo seria cruel, pouco a pouco você encontraria o destino inexorável: não há como manter a boa forma para sempre.

Pronto, chegamos a um dos principais fantasmas da condição feminina: o envelhecimento. E agora, diria você, como faço para ser vista, para chamar a atenção, para ser desejada? Voltemos à primeira frase do texto, agora explicando.

Supondo que seu interesse não é um lugar provisório na prateleira de um daqueles caras, mas sim o interesse real de um homem em você (não em sua imagem especular) alguns apontamentos sobre o universo masculino superior.

1)Já se perguntou sobre o porquê do sucesso das prostitutas e das amantes no imaginário masculino? Pois então, homens não primários (casados ou solteiros) dificilmente resistem às mulheres que se mostram interessadas, de alguma forma, em suas fantasias, identidades secretas, lados Bs; 2) Mulheres identificadas com esta posição tornam-se caríssimas aos homens interessados por relação com mulheres; 3) Tendemos (nós humanos, independente do gênero) a desvalorizar o que vêm com facilidade, então ponha um preço (condição) para estar nesta posição tão almejada pela fantasia masculina.

Ademais, a clínica psicanalítica nos mostra que muitos homens se encontram frustrados diante do desinteresse das mulheres por suas fantasias não óbvias. Eis um arranjo bastante favorável (e possível), talvez uma chave, para desarmar o temor da solidão, da invisibilidade e, ainda por cima, uma tangente para um amor real, e a dois.

Em matéria de sexo, constatamos na prática aquilo que Freud tão bem teorizou: a obviedade não está no menu de nossas fantasias. Problema: não existe sexualidade autonomizada da fantasia. Acessar a fantasia, contudo, não é nada intuitivo ou óbvio, requer trabalho e, preferencialmente, um psicanalista. Mas, sobretudo, requer um desejo: desejo de saber sobre si. Aqui a coisa pega, pois saber de si incide em atentar deliberadamente contra o narcisismo (idealização de si mesmo).

Bem, sempre há opções. Existem muitas prateleiras vazias, esperando troféus para se embelezarem. O problema, cara leitora, é o final dos dias, das semanas, dos meses, dos anos, não é...?

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Um Divã Para Dois



Sabe quando você vai assistir uma daquelas comédias românticas que trazem ao contemporâneo o conto de fadas da Bela Adormecida ou da Branca de Neve versão fast food? Após gargalhadas, choros e torcida chega o tão esperado final feliz. Mas não tarda a vir o pensamento “Legal, mas como será que o casal apaixonado irá viver agora...?”

O excelente “Um Divã Para Dois” de David Frankel, em cartaz nos cinemas, inverte a chave: o ponto de partida é o inferno matrimonial 30 anos após a conquista. Filme sério (embora cômico) sobre relacionamentos. Kay (Meryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones) formam um casal de terceira idade. Há tempos a relação estacionou e eles se adaptaram a rotina que fez seu papel de amenizar a evidente degeneração da relação. Bem acomodados aos papeis que exercem, tentaram se convencer (cada um ao seu modo) de que não havia mais nada que a vida pudesse-lhes propiciar. Kay não aguenta e procura por uma terapia intensiva para o casal, arrastando consigo o rabugento (mas engraçadíssimo) Arnold.

Alguns apontamento suscitados pelo filme:

1)O filme confirma o que a clínica nos atesta: nada traz tanta miséria subjetiva quanto a completa ignorância/indiferença às nossas fantasias. 2) A antiga associação entre durabilidade e qualidade de relação é absolutamente enganosa. Não basta “trabalhar” para manter/preservar a relação. Há de se “trabalhar” para qualifica-la. 3) O casamento é uma instituição falida? Talvez, mas em termos. Não estou convencido da superioridade das opções que nossa cultura criou para viver o amor a dois. 4) Nossos velhos se convenceram que idade avançada significa fim da vida sexual.

Comentários:

1)O ápice conjugal ocorre no momento em que ambos conseguem vivenciar (a dois) suas fantasias. 2) O desenrolar da trama seria improvável para alguém identificado com as soluções que nossa cultura oferece para as inexoráveis turbulências conjugais. Os servos do “prazer imediato e total custe o que custar” não simpatizariam com a necessária abdicação que qualquer experiência qualificada traz como exigência. 3) Ainda estamos aprendendo a dosar (temperar) o paradoxo fundamental trazido pela Modernidade entre segurança e liberdade. A grande maioria das patologias psíquicas estão relacionadas a excessos ou inibições de ambas. 4) O filme trabalha (sutilmente) uma questão de fundamental importância: menopausa é uma questão que deve ser levada a sério, seja por quem vive, seja por quem trata. Nossa cultura desprezou o velho de tal forma, que fez-se um perigoso curto-circuito associativo: fim da possibilidade reprodutiva representa o fim da vida sexual.

Por fim, quando o corpo acorda de seu sono profundo e problematiza nossas vidas, com suas incessantes e escandalosas demandas, temos duas formas de enfrentar a situação: saber do desejo ou aderir aos modismos oferecidos pelo mercado de soluções baratas. Kay optou pela primeira. Para os críticos da instituição casamento, uma resposta.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eterno Começo



Diagnóstico: fascinado por começos, alérgico a meios, constantemente disposto a recomeçar de novo, preferivelmente em meio a gargalhadas devidamente documentadas no Facebook, eis o homem contemporâneo.

Pense em você leitor(a). E aquele plano que você fez para você nos últimos suspiros do ano passado? E aquela história de “um novo eu” para o “novo ano”? Não precisa ir longe: certamente hoje você teve uma série de ideias nas últimas duas horas para “um novo você”.

Seguramente que a viabilidade destes novos planos exigiriam o sacrifício daqueles que
você se esforça diariamente para tocar. Mas, diria você “Danem-se estes planos. Pensando bem eu nunca gostei muito deles” ou “Eles não estão me fazendo bem, não estou feliz, só estou tendo trabalho”.

A mecânica (sim, mecânica!) contemporânea é sinistra e banal. Somos fascinados pela operação reiniciar. O coro dos fanáticos pela felicidade total hipnotiza os carentes de sentido. Olha-se para os lados e logo se vê alguém se reinventando, sempre devidamente eufórico. Você, tentando se haver com as intempéries geradas por aquele antigo plano que resolveu levar à cabo, está facilmente suscetível a calefação.

Não surpreende a alergia aos meios. Estar simplesmente em meio a uma escolha (nem pateticamente deslumbrado, tampouco amargurado e fissurado pelo fim da agonia) pressupõe um gosto pelo hábito, termo antigo, em franco desuso em tempos de reinvenção diária de si mesmo.

Não tenho dúvidas que Zygmunt Bauman é o pensador do nosso século (ao menos do seu início). A ambivalência do pós-moderno é, segundo o polonês, sinistra e banal: ele quer, o tempo todo, coisas que não tem, mas estas colocam-lhe um preço que ele não pode pagar. O que ele quer? Tudo o que aplaque o mal-estar líquido do qual nunca escapa.

Oras, mas para isso ele precisaria passar por uma transformação retroativa do seu estado: teria que fazer o curso líquido --> sólido. Na mecânica da operação “reiniciar”, à qual me referia, a tendência do líquido é “encontrar sua paz”, saindo do tédio que é a situação líquida ao vaporizar-se.

Há retorno para esta sinistra e banal dinâmica termostática que vive a me engolir, trazendo-me este terrível sofrimento vazio? Sim. A que preço? Quanto você pode pagar?

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mulheres e Homens


Desejo, logo sofro. Talvez esta seja a máxima psicanalítica por excelência. Se a Psicanálise tem algo de útil a oferecer (e seguramente tem), certamente é sobre esse negócio chamado desejo. Como se constrói o desejo? Há lógica? Sim, mas vamos com calma.

Desejo e vontade não são sinônimos. Os desejos estão na categoria das paixões, matéria constituinte da maldita condição com a qual devemos aprender a lidar. No universo heterossexual, o desencontro entre homens e mulheres é certeiro. Já o encontro -que seria o desejável- é matéria constituinte dos momentos mágicos onde a vida deixa sua marcha ordinária.

O itinerário habitual começa no jogo das mútuas idealizações (se um não quer, dois não brigam). Neste ponto, homens e mulheres saciam demandas com aquilo que estão em condições de ofertar - eis a mágica e o que faz o fascínio dos começos. A mulher, sobretudo, deseja ser capturada por um homem que mostre-lhe um fervor desejante, demonstre que a ame, preferencialmente dando provas. Assim, no pleno exercício de sua demanda, ela acaba por oferecer o que interessa à demanda masculina: a conquista. O desejo feminino por ser desejada está para o desejo masculino da conquista (ou captura, no cruel universo darwinista).

Mas, em se tratando de desejo, a coisa nunca é tão simples. É bastante evidente para quem lida com os sofrimentos de pacientes que sofrem por desejos insatisfeitos, que, comumente, eles se atrapalham bastante nesse game of love. Vou comentar um dos incontáveis “erros de cálculo”.

As mulheres, em especial, aprendem rápido que a melhor forma de conseguir saciar sua demanda é por meio da indiferença completa àqueles que se apresentam como pretendentes. Há verdade nisso. A lógica que anima a estratégia é: “se eu me entregar de lambuja, ele não irá me valorizar como eu quero, afinal, quem valorizaria aquilo que não deu trabalho para conseguir?”

Estratégia perfeita, no século 19. Hoje, homens assustados com o processo de independência da mulher, estão em crise com a função-macho. Ou seja, aquilo que afirmava sua potência -a capacidade da conquista- tornou-se árido a ponto dele não acreditar ser possível. Desse modo, a estratégia da indiferença é interpretada como “mais uma mulher independente que não precisa de mim”. Diante disso, o homem ressentido também dá sinais de indiferença e nada acontece.

Assim, homens e mulheres ficam a cirandar em um carrossel infernal que não para de rodar. E, no final da noite, todos estão a sós com suas frustrações. Consultórios psicológicos recebem homens ressentidos, reclamando das mulheres autossuficientes, e mulheres desesperadas por amor, reclamando dos homens que não querem nada com nada. Uma dica: dada nossa tendência a projetar nos outros nossas falhas, sempre achando que nele reside todo o problema, talvez ajude em alguma coisa perceber que você também é falho.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Melancolia


Há tempos Lars von Trier estreitou relações conjugais com a tradição trágica da existência. Para habitar este universo rarefeito é preciso coragem, algo que parece sobrar ao diretor dinamarquês e faltar em nossos tempos.

Seja em Dogville (2003) ou em O Anticristo (2009), Lars Von Trier encurrala, em um beco sem saída, todos representantes das utopias modernas para fincar-lhes presas envenenadas, engolfando o expectador no deserto agônico que nossa cultura insiste maquiar.

Nos dois filmes mencionados acima, o Mal é o protagonista. Como bom trágico, Lars von Trier é um moralista cético. Quando falo em moralista não me refiro ao uso cotidiano do termo, mas sim a filosofia moral, tal como nos fala Nietzsche, Dostoievsky, Hume, entre muitos outros. Aqui não há espaço para utopias. O ser humano é naturalmente mal, restando à sociedade a incumbência de civiliza-lo (o oposto da lombeira hipótese de Rousseau).

Em Melancolia (2011) o diretor adentra, impiedosamente, em nosso desamparo fundamental. A narrativa edifica-se nos diferentes movimentos das irmãs Claire e Justine ante a inelutável cercania do Fim. A otimista, madura e bem resolvida Claire, em emergência, apega-se, em meio a gemidos nervosos, à messiânica razão científica. A pessimista e infantil Justine sabe das coisas, e por isso não liga.

Em termos nietzschianos –aparentemente um dos estros poéticos do diretor- Claire está no registro do ressentimento, incapaz de suportar a completa indiferença cósmica em relação à vida. Justine –a heroína- ao se render, nua e diabolicamente serena, diante dos encantos do Planeta Melancolia poderia entoar intuitivamente a máxima kafkiana de que existem muitas esperanças, não para nós. Na chave nietzschiana, Justine estaria no registro do niilismo passivo: nega os afetos infantis que animam a moralidade patológica de Claire e John (os “adultos” da narrativa) mas não consegue respirar fora de sua cripta.

É claro que podemos tomar o filme como uma metáfora comprobatória da experiência laboratorial que demonstra as consequências comportamentais da ausência de contingências reforçadoras, ou da sapiência psicanalítica sobre a melancolia enquanto um luto sem fim, fruto do processo de esvaziamento e pauperização de um Eu fixado na perda do objeto constituinte, ou mesmo na reflexão psicossociológica acerca dos desdobramentos nefastos da produção de subjetividades encasteladas pela lógica mercantil.

Todas as vezes que revejo o filme noto-me quase a sentir o cheiro da melancolia no ar. Acho que o cinema de Lars von Trier está próximo do que poderia ser chamado de um “cinema trágico”. Seja pela construção de personagens profundos ou mesmo pelo gosto em desvelar o que costuma ser matéria de recalque, fato é que não se escapa incólume de seus filmes. E pior, ao tentar resenhar sobre, a tendência de quem entendeu a metáfora do filme é somente uma: silenciar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pretensão Psicanalitica sobre o filme Melancolia


 “ Meu amor

o que você faria

se só te restasse um dia

Se o mundo fosse acabar

Me diz o que você faria

Ia manter sua agenda, de almoço, hora, apatia, ou esperar os seus amigos, na sua sala vazia?(...)”

Paulinho Moska/Lenine

 

Se só restasse um dia, cada um reagiria de formas inimagináveis, mas não tão fora de acordo com o que se costuma agir diante de situações em que não se tem muita escolha, acredito. 

No filme de Lars Von Trier, a espera de seus habitantes para o fim do mundo, com a chegada do planeta Melancolia, nos dá um bom exemplo de que alguns, frente a falta de perspectivas,  recuam de sua via e adotam uma atitude fatalista frente ao conflito.Outros lutam até o fim.

Alguns fatores são estruturantes, porque traumáticos, no sentido de determinar uma estrutura (posição do sujeito em relação ao Outro). Lacan nominou de fantasma o que o sujeito inventa para arcar com a falta, um modo de negociar o objeto a (causa do desejo) em troca da demanda do outro. Os que recuam, não negociam. E os que não negociam...

Na trama, a personagem Justine sai de cena em seu próprio casamento. Vestida de noiva, resolve tirar o véu da fantasia. Incapaz de se iludir sobre o fim das coisas, desiste antes da hora. Desvestida da fantasia, que é o suporte do desejo, resgate de uma posição, torna-se desajustada, em desacordo, incapaz de corresponder a demanda do outro. A quebra da sua fé lhe tira condições para reinventar as representações do mundo, já que suas formações imaginárias (organização em torno de identificações e demandas de amor e reconhecimento) estão esvaziadas. A mãe-má recusa o pedido de socorro de Justine, se retira o tempo todo- se é que se colocou alguma vez- e o pai nem mesmo o escuta.

Freud inaugurou os estudos sobre os estados depressivos em seu artigo luto e melancolia (1917,1915). Diz que existem duas reações diante de uma perda real ou ideal de um objeto investido libidinalmente: o luto, uma condição normal, e seu correspondente patológico, a melancolia. O melancólico freudiano é o bebe repudiado pela mãe. E o lacaniano é seu outro materno pouco disponível, em que o Nome do Pai, foracluído, não se inscreveu por meio do discurso da mãe. Ao melancólico não houve significação fálica. O Outro não se apresentou em tempo ou se retirou cedo demais. Então o melancólico é aquele “preso a um tempo morto, um tempo em que o Outro deveria ter comparecido, mas não compareceu”, fala Rita Kehl. Morre o outro para o melancólico, morre o outro e portanto o próprio corpo.

            Diferente do luto, a libido investida no objeto perdido retorna ao eu e lá estabelece a identificação do eu com o objeto perdido. A perda não é simbolizada pelo melancólico, precipitando a morte do desejo. A comida preferida de Justine “tem gosto de cinzas” . “A vida na terra é má”. Parte do eu identificada ao objeto perdido se torna a própria perda em si. 
Em todo processo de luto, confronta-se com a castração.

Claire em contrapartida, cuida da irmã, mesmo depois da ruína de um casamento minuciosamente programado, e é ainda capaz de pensar num ritual simbólico ali, diante do inevitável.

            Finitude sim. Estamos diante do fim o tempo todo. O futuro é o tempo da incerteza, mas vale alguma criação de sentido frente a única certeza que temos, que é a morte. Todo dia é dia da possibilidade de nos restar um dia. E então?     

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

MENTIRA!




Por Milton Nuevo de Campos Neto. 
 
Sobre a mentira, venho pensando em que medida ela é presente em nossas vidas, especialmente no que se refere ao mal-estar. Porque mentimos? Ou melhor, talvez a pergunta seria: o que queremos esconder?
Lembro-me de uma cena da clínica. Uma analisanda chega à sessão retomando nosso encontro anterior, o qual havia terminado quando ela chega a uma questão sobre um ex-namorado: afinal, diante de muitos encontros com ele após o fim do relacionamento e diante da alegria causada por tais encontros, quer estar novamente com ele? Na ocasião, a moça insistia, contraditoriamente, que não!
Comparece, então, para me dizer exatamente isso: “Eu pensei e, refletindo, cheguei à conclusão de que eu te disse uma mentira. Não que eu estivesse mentindo pra você, na verdade eu acho que mentia pra mim mesma. Então, te contei honestamente uma mentira!” Sem exageros, juro que foi o que ouvi. Disse isso para que eu soubesse que ela deseja retomar seu relacionamento.
E então, o que pensar? Lembro, também, de outra anedota: em uma conversa com a equipe com quem trabalho em São Bernardo, discutíamos alguns casos. Então, um colega levanta a questão sobre um paciente que nitidamente havia mentido sobre estar cumprindo os combinados para o tratamento, em outras palavras, estava mentindo sobre ter aderido ao tratamento. O que fez com que o colega chegasse à conclusão de que essa pessoa mentia pra ele. Ao passo que, imediatamente, uma outra colega, que também é dada a essa tal de psicanálise, retificou: “Não, ele mente para si mesmo”.
São muitos os exemplos onde a mentira nos visita na prática clínica, mas isso não deveria nos lançar à ilusão de que somos menos visitados pela verdade! “Sempre falo a verdade” disse Lacan, certa vez. E essas experiências (além, claro, das minhas próprias) com tais honestas mentiras, sempre me colocam a questão da verdade. Assim a histeria o fez com a psiquiatria no século XIX, assim continua fazendo até hoje com quem quer que se coloque a tratá-la.
Gostaria de falar um pouco sobre como ficamos cegos ao tentar separar a mentira da verdade. É preciso que procuremos pela verdade NA mentira, é a conclusão que tiro da cena do documentário de Slavoj Zizek “O Guia Pervertido do Cinema” – no qual ele nos guia por alguns filmes –, cena em que ele faz uma leitura do momento em que Morpheu oferece a Neo as duas pílulas no primeiro filme da trilogia Matrix (http://www.youtube.com/watch?v=Pmi-cFu5Plw). Para ser mais claro, podemos pensar na mentira como sendo o sintoma. Assim se apresenta o sintoma: como uma mentira. Mentira que o sujeito constrói para dizer uma verdade, mentira que se faz pela via da metáfora. Por isso, quando alguém conta uma mentira ao analista (não apenas a ele), o está fazendo de forma honesta. Mente, mas não percebe mentir – seria demais dizer que não sabe. E mente para si, ao fazê-lo, por que não é capaz de suportar a verdade, não é capaz de rememorar o trauma!
O curioso é que o que nos traumatiza não é algo desagradável que ocorreu conosco, mas algo mais agradável do que estamos dispostos a aceitar. Assim, usando um exemplo brutal, não faz sintoma alguém que sofreu um abuso sexual a menos que disso tenha obtido algum prazer.
Lembremos que o sintoma, em psicanálise, é sempre a expressão de um desejo. Verdade que precisa ser expressa virtualmente encoberta em uma mentira. E como responde o psicanalista à mentira do eu? Com a verdade do sujeito, está aí o caminho da interpretação.
A interpretação, em lacanês, não se trata de desvendar um sentido oculto, pré-estabelecido em símbolos que aparecem, como se já houvesse um significado por trás desse símbolo anteriormente à sua produção. Trata-se da enunciação da verdade do sujeito presente na articulação de suas cadeias significantes. Não cabe a um analista dizer qual é o sentido de um sintoma de um sujeito, cabe apenas enunciar, como um eco de quem fala, aquilo que verdadeiramente diz. É na intenção de desfazer um sentido construído e inquestionado no sintoma que o analista faz essas falas esquisitas e fantasmagóricas. Colocar o sujeito em frente ao abismo de seu sentido, a partir daí é o próprio sujeito quem deve escolher se atravessa o abismo e produz outra coisa que não mais precise daquele sentido sintomático que houvera construído.
O sujeito constrói seu sintoma para proteger-se do insuportável de seu desejo. A análise é capaz apenas de oferecer um encontro com aquilo que foi necessário esconder de mim mesmo.
Mas porque isso seria interessante? Ora, porque eu nunca fui capaz de viver sem isso que escondo de mim, chegando a criar esses castelos fantásticos para viver meu desejo. Sem isso que escondo, em suma, não existo e a questão é: preciso de uma metáfora para escrever minha marca real às experiências que pretendo viver?
Sem esse incômodo, não é aconselhável procurar uma análise...