Manuel Bandeira
" Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito,
Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida
O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade."
Vai um sujeito que acorda pensando que o dia é branco. Acorda pensando que o dia é novo, levanta esticando por inteiro, lava o rosto renovando, toma um café sem pressa, escolhe cada peça vestida, muito bem escolhida. Sai pronto. Pronto para o que havia programado. Dobra a esquina, e sem querer se suja. Sem pedir, se estraga. Sem culpa, se cala. Sai um sujeito que dorme lembrando da marca suja da vida.
Volta com um mal estar de intercorrências, se avisando que estar pronto não é suficiente, avistando a vida de contratempos que a experiência mostra, obrigando a começar de novo, recordando a obrigação de estar presente, num tempo que recomeça a todo instante, só para poder continuar. Sem pensar demais, se toca que está vivo, porque tem tempo. Não vive um passado remoído, nem um futuro precipitado- está num presente, implicado. Não recua, a angustia está lá. Não se queixa, sabe do atropelo que a vida dá. Vai um sujeito que aposta num dia branco, lembrando da marca suja da vida, sujando e limpando, asujeitando de forma desmedida,
se ajeitando.
Livia Lemos.